Em 4 de outubro de 2013, escrevi que alguém teria de ceder para que se pudesse ter um final razoável a novela das casas da Luciana de Abreu. Na tentativa de mediar o conflito entre a empresa Goldsztein, dona dos imóveis, e os moradores do bairro Moinhos de Vento, que queriam impedir a demolição das seis casas para construção de um edifício, o procurador José Tulio Barbosa apresentou na TVCOM uma proposta inteligente e que contemplava os dois lados. A sugestão era salomônica: a Goldsztein preservaria metade das casas e derrubaria as outras para construir um prédio menor. O advogado Milton Terra Machado disse que a empresa concordaria em restaurar e preservar parte das casas, em troca da liberação das outras para execução do seu projeto.
Casarões da Rua Luciana de Abreu são demolidos em Porto Alegre
Demolição de casario da Luciana de Abreu surpreende moradores
"A Goldsztein está fazendo tudo com muita calma", diz advogado da empresa
A intransigência de alguns moradores do bairro Moinhos de Vento encontrou guarida em um setor do Ministério Público e a ideia de Túlio Barbosa morreu por ali. Agora, na antevéspera do Natal, amparada em uma decisão judicial que liberou a demolição das casas por entender que não tinham o valor histórico , a Goldsztein transformou-as entulho, liberou os terrenos e está pronta para iniciar a construção.
Os moradores dos andares altos do outro lado da rua perderão a vista privilegiada. Nós, os vizinhos do bairro e os porto-alegrenses em geral, perdemos a chance de ter numa daquelas casas um centro cultural, uma livraria-café, com espaço para exposições e lançamentos de livros. Perdemos porque os xiitas não entenderam a máxima de que , na maioria das vezes, quem tudo quer, tudo perde.
Enquanto se esperava pela decisão judicial, as casas foram se deteriorando pela ação do tempo e do abandono. Agora, o sonho acabou. Em vez de um espaço para a população do bairro desfrutar, teremos apenas o prédio para os afortunados que conseguirem comprar um apartamento nesta rua que é um túnel verde, num dos melhores bairros da Capital.
Túlio Barbosa, o romântico que acreditou no bom senso, está desolado. Por eu ter apoiado o acordo à época, dele recebi uma mensagem que compartilho porque o desfecho deste episódio deve nos ensinar alguma coisa sobre tolerância: "Que tristeza, Rosane! Diante dos escombros que sepultaram a decência do acordo, a dignidade dos envolvidos e a solidariedade que irmanaria a cidade, venceu a justiça que antevi. Mas a vitória se tornou pequena demais para todos e meu natal é o mais compungido que já passei".
A empresa ganhou na Justiça o direito de demolir as casas, mas perdeu dinheiro com o tempo de espera e ficou com uma imagem antipática. Agiu amparada em uma decisão judicial, porque há três anos faltou grandeza ao outro lado para entender que o acordo era o melhor possível para os dois lados.