Uma das minhas poucas frustrações na vida é não saber cantar. Porque desafino até no Parabéns, canto apenas dentro do carro, com os vidros fechados, clássicos da música popular brasileira.
"Cantando eu mando a tristeza embora", diz o verso de Desde que o samba é samba, que o público repetiu entusiasmado no show de Caetano Veloso e Teresa Cristina na noite mágica de quinta-feira, no Araújo Vianna. Temendo que um ministro caísse ou que uma nova delação vazasse na hora de ir para o show, resisti em comprar ingresso, apesar da oportunidade única de ver Caetano e Teresa juntos. Ela forma com Gal Costa e Elis Regina a santíssima trindade das vozes femininas do Brasil.
Desde que o colega André Machado me presenteou com um CD de Teresa, há alguns anos, sonhava com o dia de conhecer essa mulher extraordinária, de quem tenho todos os discos. Sim, mesmo com assinatura do Apple Music e do Spotify, eu ainda gosto de CDs. Na véspera, a querida amiga Luciane Aquino liga para dizer que não poderá ir ao show e me oferece dois ingressos na plateia baixa. Presente para nunca mais esquecer.
Teresa, que interpreta Paulinho da Viola como ninguém, canta o melhor de Cartola na primeira parte do show. Começa com O mundo é um moinho e, de cara, encanta os seus fãs e os que saíram de casa por Caetano e não por ela. Vai ao infinito com As rosas não falam. Sai de cena de mãos dadas com Carlinhos Sete Cordas e entra o filho de dona Canô, elegante e suave, cabelos brancos feito algodão. Caetano repassa velhos sucessos, hipnotiza a plateia (estou três fileiras atrás de outro Deus, o Luis Fernando Verissimo).
Do nada, alguém grita "Fora, Temer" e o coro se espalha pelo auditório. Caetano sorri, dá um tempo e retoma a canção. Quando vai contar a história de Menino Deus, composta em Porto Alegre, um sem-noção grita de novo "Fora, Temer". Então, o doce Caetano se inquieta e manda um recado sutil, mais ou menos assim: "A gente espera que as músicas façam o mundo se mover de um jeito que não seja preciso gritar esse tipo de coisa".
Depois, Teresa volta para cantarem juntos. E quando cantam Força Estranha, produz-se a fusão de duas almas iluminadas: "Eu vi muitos cabelos brancos na fronte do artista/ O tempo não para e no entanto ele nunca envelhece..." Caetano tem a idade da minha mãe. É da turma de Chico, Bethânia, Gal, Paulinho, os ídolos da minha geração século 20. Teresa, a voz do século 21, que nasceu com o Grupo Semente e acaba de atingir a maioridade como artista. Com eles, não há tristeza que resista.