Ogrande mistério do episódio que envolve o ex-ministro Geddel Vieira Lima não é nem o conteúdo das gravações entregues à Polícia Federal por Marcelo Calero. É por que o presidente Michel Temer esperou a crise arrombar a porta do seu gabinete para só então dar o cartão vermelho para Geddel. Oficialmente, Geddel, como todo ministro que cai, pediu demissão. Pedido formalizado em uma carta de amigo para amigo.
A sólida amizade entre os dois é uma das hipóteses para Temer não ter percebido que a situação tinha se tornado insustentável. Temer e as raposas que o cercam subestimaram o potencial de destruição da entrevista de Calero à Folha de São Paulo, publicada no sábado passado.
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Por se tratar de um personagem menor, um diplomata que só ganhou o ressuscitado Ministério da Cultura porque nenhuma mulher aceitou o cargo, a cúpula do Planalto cometeu um erro de avaliação. O pedido de demissão, com a justificativa de que estava incomodado com a interferência indevida de Geddel, não teve a atenção devida. O que tornou a situação insustentável foi a entrevista, repleta de detalhes da pressão de Geddel para que driblasse uma decisão técnica do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que negou autorização para a construção de um edifício de 30 andares em local proibido. O fato de ser dono de um apartamento no 23º andar caracteriza uso indevido do cargo em benefício próprio.
Temer passou os primeiros dias tratando o caso como uma simples disputa entre dois auxiliares. Não advertiu o amigo de copa e cozinha, não fez uma manifestação de censura à mistura do público com o privado. Só quando Calero depôs à Polícia Federal, disse que o presidente intercedeu em favor de Geddel e entregou gravações que supostamente oS comprometem, os homens mais próximos de Temer capitularam. Geddel, que havia conseguido arrancar até uma moção de apoio dos aliados no Congresso, apresentou, enfim, a carta de demissão.
Como ele não tem mandato, a delação de Marcelo Odebrecht e dos executivos da empreiteira vai encontrá-lo sem foro privilegiado. Na papelada da Odebrecht, seu apelido era "boca de jacaré", supostamente porque estava sempre querendo mais dinheiro.