Uma síntese das contradições que marcam a política brasileira apareceu no último capítulo da história do segundo impeachment de um presidente da República em 24 anos. Os votos de 61 senadores cassaram o mandato conquistado por Dilma Rousseff em outubro de 2014 e encerraram 13 anos e oito meses de governo do PT. Condenada por crime de responsabilidade, Dilma ganhou na última hora o direito de continuar exercendo cargos públicos. A articulação, que só prosperou porque foi bancada por Renan Calheiros, provocou a primeira fissura no recém-nascido governo de Michel Temer.
Sobraram sete votos na aprovação do impeachment. Faltaram oito para aplicar a pena prevista na Constituição em caso de condenação por crime de responsabilidade, a inabilitação para o exercício de cargos públicos por oito anos. Sentindo-se traídos, senadores do PSDB ameaçaram abandonar Temer, mas recuaram depois de o presidente garantir a Aécio Neves que vai ao Supremo Tribunal Federal para derrubar o benefício. Outro aliado, Ronaldo Caiado (DEM), um dos mais empolgados defensores do impeachment, anunciou que passa a ser independente do governo. A disputa política vai se transformar em batalha judicial.
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Com o afastamento de Dilma, o PMDB emplacou o terceiro presidente, graças à ascensão dos vices. Em 1985, José Sarney herdou o mandato conquistado na eleição indireta por Tancredo Neves. Em 1992, Itamar Franco (ex-MDB) assumiu com o impeachment de Fernando Collor. Era do PRN, mas deixou o partido em abril de 1992 e um mês depois filiou-se ao PMDB. Ontem, às 16h50min, Michel Temer foi efetivado presidente da República, 112 dias depois de ter assumido como interino.
Temer chegou ao Senado cercado por homens de terno escuro que se acotovelavam em busca de um lugar no grupo dos novos donos do poder (foto acima). Estava começando ali uma nova Era, a do pós-PT, com promessa de realizar as reformas política, previdenciária e trabalhista, esta última rebatizada de “adequação das relações empregado-empregador”. Antes de viajar para a China, Temer deixou gravado um pronunciamento à nação, exibido quando o Airbus outrora conhecido como “Aerolula” já voava em velocidade e altura de cruzeiro, rumo à China.
O conteúdo da mensagem já era conhecido dos brasileiros porque, logo depois da posse, Temer fez uma breve reunião com os ministros, transmitida pela TV, e passou alguns recados aos subordinados, aos aliados, à oposição e ao povo em geral. Disse que a ordem é recolocar o Brasil nos trilhos, para estimular o crescimento da economia e gerar empregos. Avisou que não vai tolerar rebeldia na base aliada e disse que ninguém deve levar desaforo para casa, num claro recado aos opositores que o chamam de golpista.
Na reunião, Temer expressou o desejo de sair aplaudido pelo povo brasileiro daqui a dois anos e quatro meses e adiantou que, para convencer a população da necessidade das reformas, pediu à sua equipe de comunicação que produza uma campanha de esclarecimento. Ele sabe que haverá resistência nos sindicatos, mas sabe também que, se não cumprir a carta de intenções apresentada quando assumiu como interino, perderá a confiança do mercado.
Aliás
Michel Temer demonstrou irritação com os senadores do PMDB por terem aprovado, sem consultá-lo, o direito de Dilma exercer cargos públicos. Deu a entender que poderia ter concordado, como um ato de caridade, mas que vai lutar para derrubara decisão.