Feita a lei, feita a trampa, como diz o provérbio que se popularizou na versão em espanhol. Criada em 1991, para incentivar a produção artística e cultural, a Lei Rouanet caiu em desgraça. A Operação Boca-Livre escancarou um esquema que tem quase a idade da lei – 20 anos – e que bancou, entre outros absurdos, uma nababesca festa de casamento na praia de Jurerê. Em vez de corrigir as brechas que permitiram sua utilização em fraudes milionárias ou em produções que não deveriam receber incentivos, os apressados correm a propor seu fim, como se o problema fosse a lei e não os vigaristas que dela se aproveitaram.
Leis de incentivo são mecanismos que, se bem utilizados, podem cumprir dois papéis relevantes: levar cultura a quem não tem acesso e estimular a indústria criativa, geradora de emprego, renda e impostos. Ao longo do tempo, o que se viu foi uma lei repleta de boas intenções virar instrumento de fraudes que vão do superfaturamento à não realização dos eventos financiados com a renúncia fiscal que nada mais é do que o imposto dos brasileiros.
Leia mais:
Operação da PF apura fraude de R$ 180 mi na Lei Rouanet
Desvios financiaram casamento em Jurerê, diz PF
"Boca-livre que nós pagamos", diz ministro da Justiça sobre casamento bancado com Lei Rouanet
O ministro da Cultura, Marcelo Calero, uma das poucas boas surpresas do governo de Michel Temer, fez uma avaliação sensata:
– A gente não pode demonizar a Lei Rouanet por conta de bandidos que formaram uma quadrilha para desviar recursos.
O ministro diz que a lei precisa de atualizações e aperfeiçoamentos, opinião que seu antecessor, Juca Ferreira, já havia expressado.
A investigação que resultou na Operação Boca-Livre começou em 2014, a partir da descoberta de indícios de fraude pela Controladoria-Geral da União. A pergunta que se se impõe é: como foi possível esse esquema se perpetuar por mais de 15 anos, atravessando três governos, e só ser percebido em 2014?
A descoberta dessas ilegalidades abre caminho para que se revisem os mecanismos de controle de outras leis de incentivo, para que elas possam continuar financiando eventos como a Feira do Livro de Porto Alegre e não espetáculos com ingressos caríssimos, que só uma minoria pode pagar.