Ao aceitar a denúncia contra o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) por injúria e incitação ao estupro, o Supremo Tribunal Federal abre um novo capítulo na interpretação da imunidade parlamentar. Por quatro votos a um, a 1ª turma do Supremo entendeu que a proteção não é absoluta. Como disse a ministra Rosa Weber, imunidade não pode ser sinônimo de impunidade.
Acostumado a atacar colegas que discordam de suas posições, Bolsonaro vai responder a dois processos porque não só agrediu a deputada Maria do Rosário em um bate-boca na Câmara, como repetiu os impropérios numa entrevista a Zero Hora:
– Ela não merece (ser estuprada) porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece.
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Não há outra interpretação possível para uma frase estúpida como essa que não seja a de que certas mulheres merecem ser estupradas. Se isso não é incitação ao estupro – um crime hediondo de acordo com a legislação brasileira –, os ministros do Supremo teriam de retornar aos bancos escolares para estudar interpretação de texto.
Bolsonaro se defende dizendo que foi agredido primeiro por Maria do Rosário e que apenas reagiu, mas os ministros levaram em conta que, depois, de cabeça fria, na entrevista a ZH, ele repetiu a frase que caracteriza o estupro como um presente a que teriam direito as mulheres bonitas.
É do ministro Luiz Fux, relator, a definição precisa:
– O emprego do termo "merece", pelo deputado, confere ao crime de estupro um prêmio, favor ou uma benesse, que dependem da vontade do homem.
Em outra frase, Fux arrematou:
– A violência sexual é um processo consciente de intimidação pelo qual as mulheres são mantidas em estado de medo.
No momento em que o mundo discute o abominável caso do estupro coletivo de uma adolescente no Rio, o Supremo não podia tratar esse caso como se fosse apenas mais um dos ataques histéricos do folclórico deputado que, em outras manifestações, se revelou racista e homofóbico e na votação do impeachment na Câmara homenageou um torturador.