O placar apertado na votação que aprovou a continuidade da greve do magistério – 730 votos contra 691 – expõe um racha no sindicato dos professores que vai muito além da discussão sobre retomar as aulas ou manter a paralisação. Ficou evidente a disputa política entre o comando da entidade, mais moderado, e o grupo alinhado com o PSOL e o PSTU, adepto da radicalização.
As arquibancadas vazias revelam o quanto o Cpers perdeu força nos últimos anos e explicam por que as greves mobilizam apenas uma parcela dos professores. A perda de representatividade começou com a partidarização da entidade e se acentuou nos últimos anos, diante do agravamento da crise financeira, que não permitiu aos últimos governadores pagar o piso nacional como básico do plano de carreira.
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Nesta greve, que vai continuar por decisão de uma assembleia dividida e com a participação de apenas 1,4 mil pessoas, os professores não conseguiram qualquer avanço significativo. A demanda principal, de reajuste salarial, esbarrou na falta de dinheiro. As que o governo atendeu são irrelevantes. Adiar a votação do projeto de lei 44/2016, que trata do repasse de serviços para organizações sociais, tem pouco ou nenhum impacto na vida real. Se quiser, o governo pode terceirizar atividades usando como base a Lei das Oscips, aprovada e regulamentada no governo de Yeda Crusius.
Em relação ao projeto 190/2015, do deputado Marcel van Hattem (PP), conhecido como “Escola sem partido” e repudiado pelos professores, a conversa deve ser com a Assembleia e não com o Palácio Piratini. Se tiverem juízo, os parlamentares rejeitarão a proposta, por afrontar a Constituição. A ideia de proibir “qualquer doutrinação política e ideológica” no sistema estadual de ensino é infantil e autoritária, para dizer o mínimo. Se passar, deve ser vetada pelo governador José Ivo Sartori, para não se expor ao ridículo.
O projeto de Van Hattem faz lembrar os Anos de Chumbo, quando as escolas eram proibidas pelo governo da ditadura de tratar de questões políticas com os alunos. A Secretaria da Educação tem, sim, obrigação de estudar o conteúdo dos livros didáticos, inclusive os fornecidos pelo Ministério da Educação, para evitar a propagação de informações falsas, mas impor uma lei da mordaça aos professores é profundamente antidemocrático. Seria mais uma dessas leis que não colam, porque não haverá como fiscalizar milhares de salas de aula para ver se os professores, na conversa com alunos de todas as idades, estão ou não fazendo “doutrinação ideológica”. A dificuldade começa por conceituar “doutrinação ideológica” e se estende até a aplicação da lei e as eventuais punições a quem descumpri-la.
A se levar o projeto ao pé da letra, professores não poderiam discutir o golpe de 1964? Ou poderiam desde que chamassem de revolução? O impeachment seria assunto proibido? Ou poderia ser tratado desde que o professor se abstivesse de dizer o que pensa?
Em vez de perder tempo com um projeto fadado a morrer na casca, a Assembleia deveria dedicar energia a buscar formas de valorizar o professor, para que essa profissão tão necessária não seja condenada à extinção. Se hoje tão poucos alunos brilhantes do Ensino Médio querem ser professores, é porque a profissão perdeu os atrativos do passado.