Em um dia do mês de março, à hora do almoço, o comando da Brigada Militar comemorava uma conquista modesta: fazia 24 horas que não ocorria um homicídio no Rio Grande do Sul. Vinte e quatro horas sem crime pode parecer irrelevante para merecer registro, mas as forças encarregadas de combater a violência sabem o quanto isso é raro. Nos últimos cinco anos, 6.408 pessoas foram mortas em 19 municípios da Região Metropolitana e do Vale do Sinos. Estão fora dessa conta os homicídios registrados nos outros 478 municípios.
O minucioso levantamento da evolução da violência nessas regiões, que o Diário Gaúcho publica hoje em um caderno especial, é um recorte da criminalidade no Estado. Anestesiados pelas notícias diárias sobre homicídios, os gaúchos só se chocam quando os crimes ocorrem em circunstâncias especiais ou se envolvem algum parente ou amigo. É como se a morte nas periferias fosse uma fatalidade.
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Mas o que são 6.408 assassinatos em cinco anos? O Diário Gaúcho comparou à população de uma cidade, o que talvez não faça sentido para quem não conhece o local. Talvez seja mais didático comparar à queda de um avião, desastre que choca o planeta, onde quer que ocorra. Um Airbus A-380, por exemplo, o maior avião de passageiros em operação no mundo. Pois o assassinato de 6.408 pessoas seria equivalente à queda de 12 A-380 lotados em cinco anos.
Pense nessas almas, governador José Ivo Sartori, e nas famílias de cada vítima, antes de responder à pergunta que interessa: o que será feito nos próximos meses para conter a criminalidade? Não é consolo dizer, como o secretário Wantuir Jacini gosta de destacar, que a maioria das vítimas tinha antecedentes criminais ou que a estatística é vitaminada pelas brigas de gangues.
Nesses hipotéticos aviões da morte, estão as vítimas de latrocínio, os policiais que tombam em serviço (oficial ou no bico), as mulheres vítimas da violência doméstica, os traficantes graúdos e os adolescentes franzinos cooptados pelos barões da droga para atender a clientela de classe média e alta. Em 2011, foram 1.089 homicídios nos 19 municípios acompanhados pelo DG. Em 2015, esse número macabro bateu em 1.539.
É verdade que a curva vinha subindo desde 2013 e que em 2014 os assassinatos na região somaram 1.442. Mas a situação se agravou, aumentando a sensação de insegurança que atormenta os gaúchos.
Sem dinheiro para nomear policiais ou pagar horas extras, o Estado não consegue oferecer à sociedade um sinal de esperança futura. A Lei dos Desmanches, concebida para inibir a receptação de veículos e peças, ainda engatinha. As operações da Brigada Militar e da Polícia Civil prendem criminosos – alguns várias vezes no mesmo ano –, mas o sistema, repleto de furos, não resulta em redução efetiva da criminalidade.
Para virar o jogo, será preciso investir em presídios. Nesse quesito, surge uma luz no horizonte: a permuta de imóveis inservíveis pela construção de cadeias.