Duas vezes na vida, senti uma vontade imperiosa de rezar depois de algumas horas em contato com a memória do horror. A primeira, numa tarde de dezembro de 1999, quando visitei o campo de concentração de Buchenwald. Nevava quando chegamos ao prédio que ainda mantém na fachada a inscrição Arbeit macht frei, frase que em alemão significa "o trabalho liberta". Apesar de muito bem agasalhada, eu batia queixo enquanto a solícita intérprete alemã ia explicando cada peça daquele estranho museu. Era um frio na alma, coisa impossível de se descrever em palavras. De volta a Weimar, pedi que me levasse a uma igreja.
A segunda vez foi em julho de 2006, quando conheci Hiroshima. Quero falar de Hiroshima hoje porque Barack Obama esteve lá na sexta-feira e fico imaginando o que sentiu o presidente dos Estados Unidos diante da bicicleta derretida de uma criança que a bomba atômica lançada por seu país transformou em pó. Imagino a reação do homem Obama diante do vestidinho de uma menina que hoje seria uma senhora com idade para ser mãe dele. Ou as marcas do corpo de uma mulher que estava sentada na escada de um banco e se desintegrou.
É muito simbólico que Obama, um quebrador de tabus, tenha sido o primeiro presidente americano a visitar Hiroshima depois da II Guerra.
Antes de chegar ao museu que guarda a história da bomba, fui apresentada ao prédio símbolo do ataque a Hiroshima, tantas vezes mostrado ao mundo nesses últimos dias, por conta da visita de Obama: o esqueleto da sede da Associação do Comércio. Ao lado, os japoneses homenageiam as vítimas com delicados cordões de tsurus em papel de seda colorido. Os origamis também se multiplicam na entrada do parque em que está o Memorial da Paz. Para chegar até o museu, caminha-se em meio a um jardim que, naquele verão, exalava cheiro de rosas. Foi nesse jardim que sentei na saída para processar as imagens que vi e as histórias que li e ouvi sobre o pior agosto da vida dos japoneses. Chorei e rezei para que nunca mais aconteça.
Na preparação para conhecer Hiroshima, li no voo para o Japão o livro-reportagem mais impactante de toda a minha vida. Escrito originalmente para a edição de agosto de 1946 da revista New Yorker, Hiroshima, de John Hersey, é o melhor relato que conheço para entender o que se passou com as pessoas a partir do momento em que a little boy explodiu no centro da cidade, às 8h15min de uma manhã de verão.