O primeiro discurso de Michel Temer como presidente interino pode ser lido como uma carta de intenções que, em vez de citação em latim, poderia começar com o lema extraído da bandeira: ordem e progresso. Temer tentou agradar a gregos e troianos, o que comporta duas interpretações: não quer queimar a largada, assustando este ou aquele setor, ou as mudanças serão apenas cosméticas, apostando que a simples troca de presidente possa produzir o milagre da recuperação da credibilidade interna e externa.
Temer incluiu no discurso uma expressão do esboço de pronunciamento que vazou há exatamente um mês: quer fazer um governo de salvação nacional. O presidente interino tocou em todos os pontos que preocupam os brasileiros em geral e os investidores em particular: a necessidade de equilibrar as contas públicas, conter a inflação, atrair investimentos e fazer girar a roda da economia. Respondeu às críticas de Dilma Rousseff de que acabaria com os programas sociais dizendo que vai manter e aprimorar o que deu certo, citando Bolsa Família, Prouni, Pronatec, Fies e Minha Casa Minha Vida. O que significa esse aprimoramento? Caberá aos ministros de cada área explicitar.
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Ao mesmo tempo em que prometeu manter os programas sociais, Temer acenou com a redução da intervenção do Estado, destacando que o setor público deve se focar em saúde, educação e segurança. Na prática, isso significa apostar em concessões e parcerias público-privadas.
O tratamento às reformas polêmicas foi cauteloso, especialmente à da Previdência e à trabalhista, que devem enfrentar maior dificuldade no Congresso. Temer vinculou a reforma da Previdência ao pagamento das aposentadorias e a trabalhista ao aumento da oferta de emprego. Disse que não mexerá em direitos adquiridos e que todas as mudanças serão feitas com diálogo e negociação. Ficou no ar a dúvida se ele realmente acredita que, com diálogo, conseguirá convencer os sindicatos a aprovarem medidas que cortam benefícios. Porque essa é a exigência dos empresários que apostaram suas fichas na troca de governo.
Música para os ouvidos de prefeitos e governadores, a promessa de revisão do pacto federativo ganhou um capítulo no discurso. Na prática, é uma dessas boas intenções difíceis de colocar em prática porque implica redistribuir receitas hoje concentradas nos cofres da União. O diagnóstico é correto: os Estados e municípios estão sufocados e precisam de oxigênio. Como o país terá de fazer um ajuste fiscal profundo, a redistribuição de competências e de recursos é um quebra-cabeça a ser montado peça por peça, porque ninguém quer perder.
Faltou no primeiro discurso uma palavra sobre a reforma política, considerada antídoto para as crises políticas. Temer perdeu a oportunidade de se comprometer com a mãe de todas as reformas, prometida e não cumprida por seus antecessores.