Na onda do meme "Bela, recatada e do lar", postei no Facebook uma foto do tempo do ariri, com a legenda: "Aos 12 anos, nem bela, nem recatada e sem disposição para ser do lar quando crescesse. Lembra desse vestido, professora Bernadete Dal Molin? Era emprestado, porque a menina da foto não tinha outra roupa além do uniforme do colégio".
Nada contra as opções de Marcela Temer. Tudo contra a ideia de que "mulher de sorte" é a que se casa com um homem 42 anos mais velho e ganha uma certa estabilidade na vida, como sugere a malfadada reportagem que irritou as feministas de todas as idades.
Nos comentários, a Bernadete, que foi minha professora de Educação Física, nos anos 1970, escreveu uma mensagem emocionante: "Do vestido eu não lembro, não que eu tivesse muitos, mas lembro muito bem da aluna disciplinada, inteligente e sempre disposta para aprender coisas novas. Eis que se transformou na jornalista querida, consciente e linda, que dá voz para milhares de leitores. E também do lar, por que não?".
Pode haver melhor presente para um ex-aluno do que ser lembrado por um professor? Tenho entre as maiores alegrias da minha vida essas relações de amizade com várias das minhas professoras. A Bernadete, que me emprestou o vestido para o desfile de escolha da rainha do colégio João Ferrari, é uma das pessoas que o Facebook me permitiu reencontrar tantos anos depois. Somos amigas há muito tempo.
A postagem da foto de 1972 fez outra das minhas professoras daquela época, a Sônia Cavalli, comentar: "Isso foi em que ano? Eu também acho que estava por lá....". Sim, Sônia. Você estava por lá. Você pensava que era professora de Educação Moral e Cívica. Nós também, mas estávamos todos enganados. Você, na verdade, era professora de Ética, e levo suas lições pela vida afora.
Tive outra professora que também pensava que era de Moral e Cívica e de História, mas também era de Ética. Lena Maris Crestani, no Ginásio Taperense, em 1971, me deixou dois legados: a paixão pela história do Egito e o conceito de liberdade como um bem maior, que não é absoluta e termina onde começa a liberdade do outro.
Lena e Sônia fizeram com que eu não pensasse em Moral e Cívica como uma disciplina inventada pela ditadura para promover lavagem cerebral, mas como a matéria em que se discutiam questões cruciais, como liberdade com responsabilidade. Essas professoras inesquecíveis ocupam no meu Panteão de pessoas importantes um lugar de honra ao lado de Celmira Barbosa, que me alfabetizou e me acompanhou até o 5º ano numa turma multisseriada de escola rural, sem qualquer outro recurso além de um quadro negro, um livro básico e uma caixa de giz.
Neste espaço de gratidão, ocupam lugar de destaque minhas professoras de português: Inês Bauermann, Maria de Lourdes Fritsch (in memorian) e Carmen Rotta. Porque eu era péssima nas ciências exatas, mas gostava de ler, de escrever e de mergulhar nos mistérios insondáveis da gramática.
Dia desses fui almoçar com a professora Inês no Orquestra de Panelas e a apresentei ao Adolfo Gerchmann, dono do restaurante, como "a culpada por eu ser jornalista". Porque mesmo eu já tendo um desejo de ser "escritora de jornal", quando fiz o exame de admissão ao ginásio, foi a Inês quem me apresentou ao fascinante mundo da narrativa ao nos obrigar a escrever um diário.
Passaram-se muitos e muitos anos até que eu reencontrasse essa mulher extraordinária, que já passou pela pior privação que uma pessoa pode passar e sobreviveu porque sabia que suas filhas, Mariana e Desiré, precisavam dela inteira.
Hoje não é Dia do Professor, mas sinto vontade de falar dessas mulheres decisivas na minha vida porque desde domingo passado estou dividida. De um lado, lamento que naquela sessão histórica, para o bem e para o mal, nenhum deputado tenha homenageado sua professora.
De outro, penso que seria lamentável alguém que assassina a gramática numa declaração de um minuto dedicar o voto "sim" ou "não" a quem tanto se esforçou para acabar com o analfabetismo funcional.