Os discursos dos deputados na sessão derradeira da comissão especial do impeachment ficaram em segundo plano com o vazamento da gravação em que o vice-presidente Michel Temer ensaia o discurso que fará domingo, se o impeachment for aprovado. O fato de usar o verbo no passado, como se o impeachment já tivesse sido aprovado, expôs Temer ao vexame e deu munição aos governistas que o acusam de tramar contra a presidente Dilma Rousseff.
O discurso prematuro de posse lembra um episódio de 1985, quando o sociólogo Fernando Henrique Cardoso posou para uma foto sentado na cadeira de prefeito de São Paulo, a pedido da revista Veja. Jânio Quadros venceu a eleição e, depois da posse, fez um gesto teatral e desinfetou a cadeira de prefeito.
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Temer diz que está fazendo seu primeiro pronunciamento à nação e que decidiu falar "agora, quando a Câmara dos Deputados decide por uma votação significativa declarar a autorização para a instauração de processo de impedimento contra a senhora presidente". Justifica a quebra do silêncio com uma explicação que não para em pé: "Muitos me procuraram para que eu desse pelo menos uma palavra preliminar à nação brasileira, o que faço com muita modéstia, cautela, moderação mas também em face da minha condição de vice-presidente e também como substituto constitucional da senhora presidente da República".
É fato que o vice vinha sendo procurado nos últimos dias para entrevistas, mas no ensaio de discurso ele trata como se fosse uma pressão posterior à votação.
O vice atribuiu a divulgação a uma barbeiragem digital: ele pretendia mandar para um amigo e acabou repassando para um grupo de deputados o discurso de 15 minutos, gravado no celular. O vazamento abriu espaço para todo tipo de especulação, incluindo o de que o próprio Temer teria deixado o áudio escapar para tranquilizar o país em relação ao que fará se assumir a Presidência, já que a pesquisa do Datafolha mostrou que 58% dos eleitores querem seu afastamento.
A desconfiança aumentou quando o ex-ministro Eliseu Padilha recomendou em seu perfil no Twitter: "ÁUDIO DE MICHEL TEMER: quem ainda não ouviu, sugiro que ouça com atenção. Suas palavras são esclarecedoras sobre o momento".
Na essência, o discurso é de quem tenta apaziguar o país. Temer fala em governo de salvação nacional e desmente os boatos de que pretende acabar com benefícios sociais como o Bolsa Família: "A grande missão, a partir deste momento, é a da pacificação do país, da reunificação do país (...) Devo dizer também, isto fica para aconteça o que acontecer no futuro, que é preciso um governo de salvação nacional. É preciso que se reúnam todos os partidos políticos e todos os partidos estejam dispostos à colaboração para tirar o país da crise (...) Para tanto, é preciso diálogo. Em segundo lugar, a compreensão. Em terceiro, para não enganar ninguém, a ideia de que vamos ter muitos sacrifícios pela frente. Sem sacrifícios não conseguiremos avançar para retomar o crescimento e o desenvolvimento".