Prestes a ser afastada do cargo por até seis meses, a presidente Dilma Rousseff tem pouco tempo para decidir como vai entrar para a História. Até aqui, Dilma vem sustentando o discurso de que é vítima de uma conspiração e mostrando que Eduardo Cunha é réu e boa parte dos seus julgadores está sendo investigada por envolvimento em corrupção. Pode cair sem perder a dignidade, mas para isso terá de resistir à tentação de descer ao nível de alguns de seus conselheiros, que pregam a sabotagem a Michel Temer, apagando dados e omitindo informações. Dilma não pode compactuar com propostas que beiram a delinquência.
É natural que a presidente queira entregar as obras que realizou e demarcar a autoria de programas ameaçados de extinção ou de esvaziamento, mas não pode fazer o jogo dos seus opositores, que usaram as pautas-bomba para inviabilizar seu mandato.
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Dilma e seus ministros sabem que as finanças públicas estão em frangalhos. Que não é razoável aumentar gastos em um canetaço, para ficar bem com uma parte da torcida, sem se preocupar com os riscos de ações movidas pela vingança.
O país já tem problemas suficientes para tornar os próximos meses infernais para Michel Temer. Se tentar inviabilizar a transição, o PT estará dando um tiro no pé e prejudicando seus futuros candidatos a prefeito, governador e presidente.
Nesta sexta-feira, Dilma vai assinar a prorrogação da permanência de estrangeiros no programa Mais Médicos. O objetivo é preservar um programa aplaudido pela população, mas ela acaba impedindo que os brasileiros saibam o que pensa Temer sobre a contratação de médicos estrangeiros para atender nos confins do Brasil. Será que ele cortaria o Mais Médicos em nome do ajuste fiscal?
Aumentar os benefícios do Bolsa Família pode ser uma medida simpática para a massa que recebe essa ajuda do governo, mas se o orçamento não comporta essa ampliação de gastos, reforça a marca da irresponsabilidade fiscal que traz como consequência o aumento da inflação.
No pacote de reações dos defensores do seu mandato, nada pode ser pior para Dilma do que os bloqueios de estradas, com queima de pneus, protagonizados por movimentos sociais como o MST (sem-terra) e MTST (sem-teto). Se Dilma tem alguma chance de reverter o resultado negativo na votação final, no Senado, não pode se associar a grupos que usam a violência como método. Nenhum senador hoje inclinado a votar contra o governo mudará o voto porque grupos de extrema esquerda promovem distúrbios de rua. Mais fácil é os poucos indecisos se alinharem com a oposição se a reação dos governistas descambar para as invasões de propriedades e de prédios públicos.
Também jogam contra Dilma os aliados que querem fazê-la embarcar na canoa da antecipação da eleição. Não há mais tempo para aprovar a emenda em dois turnos, na Câmara e no Senado, e fazer uma eleição em outubro. Aderir agora seria simples desespero.