Poderia começar esta carta com o tradicional "prezado Thiago", mas não serei hipócrita. Não nos conhecemos e não tenho nenhum apreço pela sua pessoa. Escrevo esta mensagem assim, aberta, na esperança de que ela sirva para outros Thiagos que circulam por aí, em alta velocidade, disputando rachas combinados ou nascidos de uma disputa de valentões que ficam lado a lado numa sinaleira e resolvem mostrar quem tem uma máquina mais poderosa. Esta carta é também endereçada ao motorista do Camaro que, pelas suspeitas da polícia, disputava o racha com você.
Há uma semana que eu penso em você todos os dias, Thiago, e me pergunto o que fez um homem de quase 40 anos dirigir feito um alucinado por uma rua como a 24 de Outubro, colocando em risco a vida de quem eventualmente cruzasse o seu caminho. A polícia diz que você é reincidente. Que já tinha perdido a carteira por excesso de infrações. São 52 multas, sendo três por dirigir alcoolizado e outras por excesso de velocidade e por furar o sinal vermelho. Pelo seu prontuário, rapaz, você só poderia sentar no banco da frente no lado esquerdo do carro na Inglaterra e no Japão, em que a direção fica na direita.
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Há uma semana que eu penso em Rafaela Perrone e Thomaz Coletti, os jovens atingidos pelo Peugeot que voou sobre eles depois de ser atingido pelo táxi e pelo Audi. Penso nas cicatrizes que carregarão para sempre, porque tiveram a ideia de levar o cachorrinho para passear na calçada em uma madrugada de sábado. Penso no pavor dos pais deles naquelas horas de incerteza, esperando pelo resultado dos exames que avaliaram a extensão das lesões. Você tem pensado no rosto fraturado de Thomaz e nas dores que a Rafaela está sofrendo? Não lhe bate nem um pingo de remorso?
Além de dirigir em alta velocidade, você foi covarde, Thiago. Fugiu do local sem prestar socorro, o que lhe permitiu escapar do flagrante e do teste do bafômetro, mas uma testemunha contou à polícia que você bebeu na boate onde esteve até pouco antes do choque. Repare que não uso a palavra acidente, uma fatalidade a que qualquer motorista está sujeito. É porque não considero acidente o que ocorreu ali no Parcão.
Você contratou um dos melhores criminalistas para ser seu defensor. E foi aconselhado a só falar em juízo. Ok, é uma estratégia de defesa, mas, com sua consciência, você conversou? Já decidiu como será daqui para a frente? Vai andar de táxi ou de Uber, quando sair para beber? Vai aprender alguma lição com esse episódio trágico?
Tenho pena de você, Thiago. Tenho pena dos jovens que fazem roleta-russa no trânsito. Você deveria passar uma madrugada no Hospital de Pronto Socorro, vendo o estado em que as vítimas de acidentes chegam nas ambulâncias do Samu. Você deveria conversar com voluntários da Fundação Thiago Gonzaga e com a mãe do teu xará, a Diza, para ver que trabalho bonito eles fazem por mais civilidade no trânsito. Ajude uma instituição que trabalha com reabilitação de acidentados.
Pense que você teve sorte. Rafaela e Thomaz sobreviveram, você conseguiu fugir a pé. Aproveite essa oportunidade para refletir sobre o significado de ganhar uma segunda chance.