Cinco dias antes de sentir a ponta de uma faca encostada em sua barriga, a psicóloga Ana Luísa Dornel, 42 anos, recebeu a confirmação de que estava grávida do primeiro filho. Era 21 de dezembro de 2015, 13h10min de uma tarde nublada. No estacionamento do Supermercado Nacional da Assis Brasil, próximo ao Triângulo, em Porto Alegre, ela colocava as compras no porta-malas do Fox Vermelho, com placas de Dois Irmãos, quando ouviu uma voz masculina às suas costas:
- Posso ajudar?
- Não, obrigada.
O homem encostou uma faca na barriga de Ana Luísa e anunciou:
- Fica quieta, que é um assalto. Entra no carro senão te mato.
Ana Luísa pensou no bebê e obedeceu. Sentou no banco do carona e achou que era o fim. Lembrou da jovem Dóris Terra Silva, assassinada na véspera em São Francisco de Paula, por um homem que a abordara também em um supermercado. Ana Luísa pediu a Deus que não deixasse sua mãe, de 80 anos, sofrer.
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O homem, que aparentava ter entre 28 e 30 anos, usava óculos escuros do tipo "gatinho", camiseta branca e bermuda, atrapalhou-se com o câmbio automático do Fox e pediu que ela ensinasse como engatar a ré. Ana Luísa ensinou. O ladrão arrancou e prosseguiu com as ameaças:
- Se gritar, te mato. Eu te mato.
- Por favor, não faça nada comigo, que estou grávida - implorou a psicóloga.
O homem andou mais duas quadras e disse que iria deixá-la descer.
- Desça sem fazer alarde. Se gritar, te mato. Eu te mato - advertiu.
Antes de descer, ela ainda conseguiu pedir para levar dois molhos de chave, um pen drive e o cartão de entrada na Unisinos, onde faz mestrado. O ladrão consentiu. Ela fez menção de pegar no banco de trás o envelope que continha o resultado positivo do teste de gravidez e as requisições para o pré-natal, mas o bandido impediu:
- Não vai levar mais nada. Desce e não grita, senão eu te mato.
Cambaleando, Ana Luísa desceu. Esperou que ele arrancasse e saiu correndo e chorando. Duas quadras adiante, deparou com uma unidade do POE, o Pelotão de Operações Especiais da Brigada Militar, e contou que tinha sido assaltada. O sargento de plantão a acolheu, ofereceu água e um telefone para avisar a família, mas ela não conseguia lembrar o número de ninguém. Lembrou do telefone do trabalho do marido, mas tudo o que conseguiu foi pedir que ele cancelasse o cartão do banco. Intrigado, o marido ligou de volta e foi atendido pelo sargento.
Mais de um mês depois, o carro ainda não foi encontrado. Para poder trabalhar, Ana Luísa passou a vir para Porto Alegre de ônibus de Dois Irmãos. Anda sempre sobressaltada. Se um estranho lhe dirige a palavra na rua, corre. No Ano-Novo, estava no estacionamento de um supermercado na praia com o marido quando um homem se aproximou e disse alguma coisa. Ela começou a gritar e saiu correndo, certa de que era um assalto. Não era. O sujeito queria apenas usar o carrinho que o casal acabara de liberar.
- Não sei mais o que fazer. Ficar em casa não dá, preciso trabalhar. Não há lugar seguro. É o caos, um horror. Não vou a nenhum lugar que tenha estacionamento, morro de medo. Vai levar um tempo para me recuperar - desabafa.
No dia de Natal, ela perguntou à mãe:
- Onde estava meu anjo da guarda?
- Ao lado do ladrão, para ele não te esfaquear e te deixar ir - respondeu a mãe.
Com 12 semanas de gravidez, Ana Luísa espera que o anjo proteja o bebê que vai nascer em agosto. Se for menino, vai se chamar Pedro. Se for menina, Heloísa.
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