A tragédia resultou na morte de 19 pessoas e causou graves danos ambientais. O Ministério Público Federal (MPF) informou que vai recorrer da decisão.
No entanto, há outro processo sobre o caso de Mariana sendo julgado no Reino Unido. Trata-se de uma ação coletiva, que reúne os processos de 620 mil pessoas, 46 municípios e 1,5 mil pessoas.
O tema foi levado para lá porque a dona da barragem em questão, a Samarco Mineradora, é sócia da anglo-australiana BHP Billiton, que tem ações na Bolsa de Valores do Reino Unido.
O advogado Bruno Teixeira Peixoto, do Escritório Cabanellos Advocacia e autor da obra "Compliance no Direito Ambiental: licenciamento, ESG e regulação" (Editora Fórum), afirma que é cada vez mais comum crimes ambientais serem analisados pela Justiça de outros países. Ele conversou com a coluna.
Por que desastres ambientais ocorridos no Brasil costumam ser julgados no Exterior?
Esse é um movimento que tem se expandido, não só no Brasil, mas também em outros países. São ações que discutem reparações individuais e coletivas e trazem uma mudança no paradigma da interpretação jurídica de cortes nacionais e internacionais a respeito de matérias como mudanças climáticas, direitos humanos, governança corporativa e gestão de riscos. Ações com esse foco têm crescido, dando atenção mais para litígios contra empresas privadas, como o caso da ação junto à BHP, uma mineradora anglo-australiana, controladora da Samarco.
O fato dessas empresas terem sedes no Exterior facilita?
Isso. A ação coletiva de Mariana, que está na Corte britânica, foi ajuizada em 2018. Se considerarmos que, naquela época, o Reino Unido ainda fazia parte do bloco europeu, a jurisdição britânica deveria estar em conformidade com as regras da União Europeia. Na época, e ainda está vigente para alguns países do bloco, havia um artigo que permitia que ações judiciais pudessem ser ajuizadas no domicílio da sede da companhia. Se a sede da companhia fica em algum país membro do bloco, seria possível à Justiça daquele país membro (julgar). O primeiro grau da Justiça britânica aceitou, declarou a sua competência (sobre o caso de Mariana). Isso é visto também em outros episódios. Tem um caso em 2019, no qual cidadãos de Zâmbia entraram com ação no foro britânico, em Londres, contra uma companhia em razão de danos ambientais e violações a direitos humanos. Foi procedente da mesma questão que está em discussão no caso Mariana: a responsabilidade de grupos econômicos. Principalmente esses grupos que têm operações controladas, com subsidiárias, como é o caso da Samarco. Dentro desses procedimentos, é possível ajuizar uma ação na sede da matriz, onde fica o domicílio das companhias.
Esses tribunais dão mais relevância aos assuntos de direitos humanos e meio ambiente do que a Justiça brasileira?
De algum modo, sim. A interpretação de tratados, convenções de direitos humanos e ambientais, está em ascensão. Hoje, há duas consultas feitas à Corte Internacional de Justiça sobre a responsabilidade dos Estados nacionais, principalmente por reparações, mas também em concordância com o Acordo de Paris. A outra consulta, e aí que nos cabe bastante interesse, é à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Há uma consulta efetuada por Colômbia e Chile a respeito do tratamento jurídico a ser dispensado às violações de Estados nacionais e empresas privadas. O resultado dessas consultas está sendo muito aguardado. Especialistas esperam o posicionamento dessas Cortes porque mostrarão um sinal que se consolida em torno dessa onda de litígios (sobre crimes ambientais e questões climáticas). Há uma pressão de interpretação, novos casos sendo julgados procedentes. Isso cria um contexto, uma atmosfera jurídica na qual os tribunais ficam pressionados a, pelo menos, analisar melhor os fundamentos. Hoje, com esse caso Mariana, muitas responsabilidades empresariais internacionais podem ganhar nova roupagem de densidade jurídica, tornando essa "soft law" uma "hard law", uma lei mais pesada, uma lei mais vinculante. Os tribunais estão mais pressionados a atuar com mais rigor nesses casos.
Os litígios ambientais devem crescer?
Tenho acompanhado uma ação civil pública que foi ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) no Rio Grande do Sul, que envolve vários entes federativos, tanto a União, alguns municípios, a respeito das enchentes em maio. Um dos pedidos chama a atenção: desenvolver toda uma macroestrutura de planejamento para a adaptação climática. Isso significa pensar desde a dinâmica das defesas civis até uma revisão de plano diretor, se for necessário. E é claro que aqui a gente tem que fazer uma ressalva: não é o foro nem o instrumento mais adequado discutir isso no Judiciário, porque, ao fim e ao cabo, você está discutindo política pública, planejamento. Mas, no atual estado de coisas, de emergência do clima, fragilidade de atuação de Estado, de necessidade de dinâmica com o setor público e privado, o Judiciário, tanto do Brasil quanto fora, acaba sendo a instância que vai trazer um pouco mais de eficácia.