O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
Uma das principais vozes brasileiras nos estudos sobre mudanças climáticas, Marina Marçal é advogada, mestre em sociologia e pesquisadora visitante na Columbia Law School, onde fez parte do doutorado no programa ambiental e energético. É chefe de Diplomacia para da C40.
A uma semana do início da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP29, no Azerbaijão, ela conversou com a coluna.
O que é a C40?
É uma rede de prefeitos e prefeitas de cerca de cem cidades no mundo com o propósito de trabalhar para que o planeta não aqueça mais de 1,5ºC. No Brasil, a gente está trabalhando com as cinco cidades: Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Curitiba e Fortaleza, para que possamos lidar com a mudança do clima com olhar científico e social.
Vocês citam que apenas 40 dos 5.866 municípios brasileiros dispõem de plano de ação climática. Por que isso é importante?
Trata-se de uma diretriz de um município para entender quais ações, projetos prioritários para a descarbonização, para a diminuição das emissões de gás de efeito de estufa no nível local precisa fazer. Um plano de ação climática contém tanto ações de mitigação quanto ações de adaptação. É assustador o fato de a maioria das cidades do país ainda não tê-lo. As cidades com que trabalhamos, no geral, levam em média três anos para conseguir ter esses planos, que devem ter inventários de emissões de gás de efeito de estufa, entender quais são os setores que emitem mais e potencial de redução, para traçar suas prioridades de ação.
O Brasil tem priorizado lidar com o desmatamento, porque a maior parte das emissões estão com o setor de floresta e uso da terra como um todo.
Os planos já contêm projetos para redução de emissões?
Sim. Políticas de mitigação, de adaptação ou de prevenção. No caso do Rio de Janeiro já vai além: tem criado, por exemplo, protocolos para as ondas de calor. Isso não estava na legislação, na parte do plano de ação climática em si. Mas é necessário ter políticas de prevenção, de mitigação aos efeitos das chuvas. O plano é uma espécie de planejamento para o gestor no nível local para que entenda quais projetos e ações são necessárias para lidar nessa década de emergência climática.
Quem produz o plano?
O município. O orçamento de cada município é diferente. Em muitos casos, são feitas parcerias com redes de cidades, como a C40, que apoiou as apoia para que possam acelerar e entregar esses planos. Há custo, precisa-se da expertise de uma equipe técnica para realizar esse inventário de emissões e para entender o perfil de vulnerabilidade da cidade. Costumam ocorrer parcerias com as diversas redes de cidades que existem e que atuam no Brasil. O plano traz o mínimo, mas as cidades podem ir além.
Quais as diferenças entre cidades grandes e pequenas em termos de emissões de gases de efeito estufa?
Todas as cidades podem contribuir para diminuir as emissões. Claro que umas vão ter mais responsabilidade do que outras, setores que podem ser mais responsáveis por emissões do que outros. No geral, mobilidade, transporte, que acoplamos junto com o setor de energia, costumam ser responsáveis por grande parte das emissões de gás de efeito estufa no país. No âmbito global, as metrópoles são responsáveis por 78% das emissões de gás de efeito estufa. O Brasil tem priorizado lidar com o desmatamento, porque a maior parte das emissões estão com o setor de floresta e uso da terra como um todo. Então, combater o desmatamento é importante.
Como mudar esse cenário?
É muito importante trabalharmos com a educação da população, para que se compreenda que a cidade ter um plano de ação climática é um direito do cidadão. Todos têm o direito de fiscalizar, de cobrar o seu prefeito para avançar com esse tipo de medida. O segundo eixo importantíssimo é a questão do financiamento climático. Não concentrar, não haver políticas de financiamento para as atividades locais, é muito grave. Muitas vezes os bancos têm financiado iniciativas que vão na contramão da mudança do clima, com setores que são responsáveis pelas maiores emissões de gás de efeito estufa. É importante que os bancos também financiem atividades que sejam boas para o clima e, consequentemente, para as pessoas.
Qual deve ser a prioridade da COP29, que começa na próxima semana?
Tem se falado que essa será a "COP do financiamento", porque deve-se buscar mais financiamento para o Sul Global. Perdas e danos é aquilo que não dá para a gente adaptar. Então, os países têm de ser remunerados pelas perdas que vão acontecer, que já são previstas, mas que não dá para você reparar. Por exemplo, se um terreiro for inundado, como se mensura esse valor para a sociedade? Um museu foi inundado, há perdas culturais, sociais, com outros valores simbólicos para a população do Sul que sofreu com as tragédias desse ano. Infelizmente, no Brasil, tem se falado pouco. Há uma grande expectativa de ver se alguns anúncios financeiros serão feitos que vão abarcar o Brasil para a gente seguir para a COP30 no ano que vem.