O Nobel da Paz que distinguiu nesta sexta-feira a luta da organização japonesa Nihon Hidankyo contra a ameaça nuclear carrega, em si, a contradição do criador da mais importante láurea para o progresso humano. Alfred Nobel, ao mesmo tempo em que destinou sua fortuna a um prêmio que dignifica a paz, foi o inventor da dinamite – criação que mudou a forma da guerra, tornando-a mais mortífera.
A contradição do prêmio de 2024, de alertar para o abismo nuclear, reside no fato de a sociedade humana ter alcançado, nas últimas décadas, tamanho progresso: somos mais longevos do que nossos antepassados, estamos mais perto de descobrir a cura para doenças terminais e lidamos, não sem dilemas, com a inteligência para além do ser humano – supostamente “artificial”.
Há, no entanto, reveses na globalização, restrições à liberdade de expressão e de imprensa, ao livre-comércio e à democracia. Ao mesmo tempo, estamos, como em poucas vezes ao longo da trajetória humana, tão próximos do abismo nuclear: testemunhamos duas guerras simultâneas – no Oriente Médio e na Europa, nunca tantas nações detêm arsenal atômico e os acordos que restringem ogivas nucleares foram rasgados ou estão moribundos.
Ao mesmo tempo, o multilateralismo, um freio ao homem como lobo do próprio homem, luta para se manter relevante. A ONU não consegue ser efetiva para garantir a segurança internacional, razão para a qual foi criada, e suas agências são, em geral, patroladas pelas próprias potências atômicas.
Parte do problema reside no fato de a organização não representar a balança de poder do atual sistema internacional. Passados 76 desde sua criação, o Conselho de Segurança, seu órgão máximo, é, ainda hoje, moldado à imagem e semelhança do cenário imediato pós-Segunda Guerra Mundial: os cinco grandes (EUA, Rússia, China, França e Reino Unido) têm arsenal nuclear, mas há outros países que detêm a tecnologia: Paquistão, Índia, Coreia do Norte e Israel (não declarado).
Todos eles, juntos, contabilizam 12.121 ogivas, 90% em poder dos EUA e Rússia, que travam uma velha nova Guerra Fria no Leste Europeu. Não dispõem da bomba, mas desempenham peso no tabuleiro geopolítico atual outros players, como Alemanha, África do Sul, Brasil e o próprio Japão, o único a sentir a ferro e fogo o poder devastador da bomba.
Olhar para o Oriente Médio
No momento em que o regime dos aiatolás trava uma guerra por procuração, por meio dos grupos terroristas Hamas, Hezbollah e os houthis do Iêmen, contra Israel e aliados vale o alerta da ameaça que um Irã nuclear representa para a humanidade. Sabe-se que o país estaria muito perto de enriquecer urânio capaz de dispor de uma bomba. Embora sempre valha a ressalva “ter a bomba é uma coisa e capacidade tecnológica para dispará-la outra”, essa premissa é muito frágil para garantir que nós, nossos filhos e netos, estejamos vivendo em um mundo seguro.
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