A esquerda precisa sentar no divã para compreender por que se desconectou das massas populares. Partidos desse espectro político venceram apenas em duas capitais brasileiras – Recife, com a reeleição de João Campos (PSB), e em Fortaleza, com a vitória de Evandro Leitão (PT).
É o mais baixo número desde a redemocratização: em 1985, eram quatro prefeitos de esquerda, tendo chegado a 17, em 2004, no primeiro mandato de Lula.
Há problemas pontuais de rejeição a determinados candidatos, mas, de forma geral, as questões são profundas: falta comunicação mais eficiente, existe dificuldade de utilizar as redes sociais como ferramenta de propaganda, percebe-se uma elitização de quadros, que a mantém apartada do resto do povo, além de fragmentação interna. A esquerda, que lutou bravamente contra a ditadura e regimes autoritários, ajudando a devolver a democracia ao país, perdeu boa parte de sua base, os sindicatos, até pela transformação da forma de trabalhar.
No entanto, é hoje uma efígie do passado também por decisões – ou a falta de – ao longo dos últimos anos. Não são suficientes apenas pautas identitárias ou conceituais para conquistar o eleitor. É preciso defender democracia, ser contra o racismo, o machismo e a homo e a transfobia.
Mas é necessário compreender que as camadas mais pobres querem empreender, algo um tanto vilanizado pela esquerda, como forma de ascensão social. As classes mais baixas preocupam-se com segurança, não apenas a partir de um conceito de violações de direitos humanos por parte da polícia, um discurso que a esquerda adotou. Esses são só dois exemplos dos tantos que os partidos precisam rever.
Não basta à esquerda tachar seu ex-eleitor como “bolsonarista” e considerá-lo perdido. É preciso aceitar que o perfil social da população mudou. O Brasil está mais religioso, sim. Mas os evangélicos, para ficarmos em um grupo importante entre os eleitores da direita, não são só pessoas apegadas a seus valores: são cidadãos que frequentam postos de saúde, mantêm filhos na Escola Infantil, pegam ônibus e avaliam a qualidade (ou falta de) desses serviços públicos.
Isso só se compreende voltando às bases, em um profundo processo de reflexão que precisa começar já. _