É constrangedor ouvir o presidente Lula fazer malabarismos verbais para evitar classificar o regime de Nicolás Maduro como ditadura. Em entrevista à Rádio Gaúcha, na manhã desta sexta-feira (16), ele adotou uma nova expressão ao tentar explicar o processo político venezuelano: "viés autoritário".
— A Venezuela vive um regime muito desagradável; não considero que seja uma ditadura no sentido clássico, como muitas outras que conhecemos pelo mundo. É um governo com viés autoritário, mas não se enquadra exatamente na definição de ditadura.
Ora, governos com vieses autoritários, como o de Vladimir Putin na Rússia, de Xi Jinping na China, de Bashar al-Assad na Síria, de Daniel Ortega na Nicarágua, ou de Miguel Díaz-Canel em Cuba, - para ficarmos em exemplos tanto à direita quanto à esquerda - são ditaduras. Poderíamos também chamar de autocracias, regimes autoritários, mas o termo mais popular é... ditadura.
Como assim também o era o regime brasileiro que vigorou entre 1964 e 1985. Ou, para Lula, aqueles eram apenas governos militares de vieses autoritários?
O presidente perde, pela segunda vez no microfone da Rádio Gaúcha, a oportunidade de romper com a fidelidade corrosiva a Maduro.
Pouco mais de um ano atrás, em junho de 2023, perguntei a Lula, também na Gaúcha, sobre a dificuldade de considerar a Venezuela uma ditadura. A resposta de que "democracia é um conceito relativo" repercutiu nacionalmente. A emenda saiu pior do que o soneto: na ocasião, o presidente acrescentou que, na Venezuela, haveria mais eleições do que no Brasil.
Estamos acompanhando, todos, desde 28 de julho, o tipo de eleições que há por lá: fraudadas, sem transparência e cujos comprovantes estão guardados em algum cofre do Palácio de Miraflores - sem falar nos entraves que o regime impôs à oposição e nas prisões subsequentes.
Com a insistência ao passar pano a Maduro, Lula se isola entre os líderes americanos e evita aproximar-se de uma nova esquerda, representada, por exemplo, pelo presidente chileno, Gabriel Boric, mais conectada a temas contemporâneos e menos presa a ideologias que trazem embutido o mofo da Guerra Fria. Mais do que isso, Lula erode, por si só, sua capacidade de se tornar líder do Sul Global em geral e da América Latina em particular.
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