São sutis as diferenças, mas há dois pesos e duas medidas nas relações entre o governo Lula e as ditaduras da Venezuela e da Nicarágua. No caso venezuelano, há um constrangimento (e alguma divergência interna) sobre a abordagem em relação a Nicolás Maduro: o PT e Lula apoiam o bolivarianismo desde que esse regime esdrúxulo que Hugo Chávez pariu no início dos anos 2000.
Herdeiro do Palácio de Miraflores, Maduro erigiu uma estrutura de poder que, aos poucos, abocanhou as demais instituições. Mas, ainda assim, o Brasil seguiu respaldando as ações autoritárias, evitando caracterizar o regime como uma autocracia e desfraldando o tapete vermelho para o líder venezuelano em Brasília. Nas semanas anteriores à eleição no país vizinho, Lula disse estar assustado em relação à promessa de Maduro de que haveria um banho de sangue, caso perdesse a disputa. Passado o pleito do dia 28 de julho, primeiro afirmou que não ver nada grave, enquanto o governo empurra com a barriga uma tomada de posição, pedindo a divulgação das atas de votação.
No caso nicaraguense, a esquerda brasileira (e latino-americana) sonhou e viveu a Revolução Sandinista de 45 anos atrás, que derrubou a ditadura de direita de Anastasio Somoza. Líder da empreitada, Daniel Ortega, em segundo mandato, foi mordido pela mosca azul: sucumbiu à tentação de muitos outrora heroicos revolucionários que, ao assumirem, entronam-se no poder. Lula foi próximo de Ortega, visitando-o em Manágua, como presidente em segundo mandato, e o recebendo em Brasília, em 2010. Mas mantém relação cada vez mais distante no atual governo.
Mais um ponto de enregelamento ocorre agora, diante da notícia de que o governo nicaraguense decidiu expulsar o embaixador brasileiro Breno de Souza da Costa, depois que o diplomata, sob orientações do Itamaraty, não compareceu à cerimônia de aniversário da Revolução Sandinista. O pano de fundo o desconforto de Ortega devido à tentativa de mediação de Lula para a libertação do bispo católico Rolando José Álvarez, a pedido do papa Francisco. O Brasil cobra explicações sobre o caso do embaixador, e as relações estrão congeladas.
O que explica as diferenças de tratamento entre Venezuela de Maduro e a Nicarágua de Ortega?
No caso venezuelano, a situação é mais sensível para o governo brasileiro. Os dois países são mais próximos geograficamente - compartilham uma porosa fronteira terrestre nos Estados de Roraima e Amazonas. Uma guerra civil no país vizinho significa, certamente, um fluxo ainda maior de refugiados para o Brasil. Sob delegação dos Estados Unidos, potência hegemônica no continente, o Brasil (potência regional) é considerado o interlocutor natural da crise. Daí, a postura do Itamaraty de não romper relações com Caracas, buscar manter os canais diplomáticos ativos com o governo e o diálogo com a oposição.
No caso da Nicarágua, a relação é mais distante - não só porque Ortega já é mera efígie da Revolução, que encantou a esquerda, mas porque o endurecimento do regime mexe com uma dinâmica geopolítica muito mais relacionada com os vizinhos centro-americanos, como Honduras, Costa Rica e Panamá. Além disso, esse é entendido como um problema que está na alçada dos Estados Unidos - e não do Brasil.