O Protocolo de Ushuaia sobre o compromisso democrático no Mercosul estabelece que a plena vigência das instituições democráticas é condição essencial para o desenvolvimento do processo de integração. Estabelece ainda que toda ruptura da ordem democrática constitui obstáculo inaceitável para a continuidade de tal aproximação.
Desde o longínquo 24 de julho de 1998, quando tal protocolo foi assinado, a chamada cláusula democrática serviu de parâmetro para suspender, temporariamente, os membros do bloco comum do Sul em caso, por exemplo, de golpe de Estado. Não sei se, à época, o auge do ideal de um mundo liberal, sem aventuras autocráticas, alguém imaginava que voltaríamos no tempo das quarteladas sul-americanas, mas tal epíteto é uma das poucas coisas que deram certo no Mercosul.
A depender das barreias tarifárias, das tentativas de tratados de livre comércio com blocos extrarregionais, como a União Europeia, ou mesmo as rusgas ideológicas e as puxadas de tapete nos bastidores, o Mercosul já estaria morto. Basta lembrar Jair Bolsonaro no poder por aqui e Alberto Fernández do lado de lá do Rio da Prata. Aliás, não precisamos ir longe. Exemplo atual é a visita do final de semana do presidente da Argentina, Javier Milei, a Balneário Camboriú, em Santa Catarina, desdenhando dos protocolos diplomáticos do país anfitrião e ignorando a 64ª cúpula de chefes de Estado, que ocorreu ontem em Assunção, pelo simples fato de Lula exercer a presidência no Brasil.
Mas a cláusula democrática funciona. Ironicamente, o Paraguai, onde foi assinado o tratado de Assunção, que pariu o bloco, em 26 de março de 1991, foi suspenso do Mercosul em 2012, a partir do impeachment do presidente Fernando Lugo e até que o país realizasse eleições presidenciais. A Venezuela, Estado parte, foi afastada em 2017, até o pleno restabelecimento da ordem democrática - algo que não ocorreu e não irá ocorrer até que a ditadura bolivariana sucumba por si só.
O presidente Lula se disse "feliz" que foram marcadas eleições na Venezuela para 28 de julho e espera que elas sejam "as mais democráticas possíveis". Como se sabe, não serão - nem democráticas nem possíveis. E o Brasil tem culpa no cartório por não exercer sua liderança na região em favor do restabelecimento das instituições na nação vizinha.
O Uruguai, ao contrário, realiza eleições neste ano, e elas serão, com de costume, amplamente democráticas. A Frente Ampla, de esquerda, é favorita para voltar ao poder. O que dirá o governo argentino de Milei se Yamandú Orsi for eleito?
Nesse ínterim, a Bolívia se torna membro pleno do Mercosul em meio a tensão política no país vizinho. No último dia 26 de junho, tanques e soldados tomaram a entrada do Palacio Quemado, em La Paz, em um golpe de Estado nos moldes antigos, na mão grande, na quartelada. No último dia 5, o país entrou no Mercosul. Um grande teste para a legitimidade da cláusula democrática ou uma passada de pano em um aliado de ocasião?
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