O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
O governo federal tem acompanhado com atenção o caso envolvendo o embate entre o bilionário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Em entrevista à coluna, o secretário de Políticas Digitais do governo, João Brant, qualifica como grave a forma como o caso ensejou o que considera ataques às instituições, com pedidos de impeachment de ministros do STF e ofensas ao Poder Executivo. Ele avalia que, tanto o governo quanto o Supremo, atuaram de acordo com o que estaria ao seu alcance durante o episódio.
A seguir, trechos de uma entrevista concedida na segunda-feira (15).
Sobre o episódio envolvendo Elon Musk, é possível tirar algum aprendizado?
Vivemos na semana passada um conjunto de ações do Elon Musk e de um senhor que se apresenta como jornalista (Michael Shellenberger), mas, que em nossa visão, atua como relações públicas do X neste tema. Interpretamos (o episódio) como uma provocação a partir da instrumentalização da plataforma dele (de Musk), de um jeito que nunca havíamos visto: tal nível de instrumentalização de uma plataforma digital para interferir em assuntos da dinâmica institucional brasileira. Isso tem uma gravidade grande. Acho que não é grave a discussão sobre casos e decisões judiciais, mas a maneira como isso ensejou ataques às instituições, pedidos de impeachment de ministros, ataques ao Poder Judiciário e o Poder Executivo. O saldo é uma percepção de que esses temas precisam ser encaminhados de uma forma a que tenhamos condição de fazer valer a soberania brasileira nos temas do ambiente digital. Ficou clara também a defesa que estava sendo feita, alinhada ao grupo que tentou promover um golpe de Estado no Brasil. Isso também é grave, que pessoas que não conhecem a realidade brasileira interfiram, aplicando uma regra americana na realidade brasileira e, na prática, defendendo de golpistas a traficante de drogas.
O senhor acredita que tenha sido algo planejado?
Ficou claro que estava articulado com outros atores. O dono de uma plataforma entrar dessa maneira no debate público tem claramente motivações políticas e econômicas envolvidas. Políticas na relação que ele tem com os atores da extrema direita mundial: ele (Musk) anunciou uma live com Bolsonaro que só não foi realizada porque se deflagrou o ataque do Irã em Israel, e questões econômicas que não me cabe especular em detalhe quais, mas que claramente também estão ligadas a esse ataque. Não dá para dizer que uma figura como o Elon Musk acorda um dia e resolve singelamente atacar um ministro do STF. Havia uma expectativa, sim, de que isso disparasse um debate, mas, mais do que isso: de que funcionasse como alimento para uma agenda de defesa de grupos golpistas no Brasil e fora.
E as ações que tanto o governo quanto o Supremo tiveram depois desses primeiros ataques, o senhor valia que foram corretas: Poderia ter ignorado o que muitos consideraram uma armadilha?
Tanto o governo quanto o Poder Judiciário fizeram o que estava ao alcance fazer. Não atuar diante de um ataque como esse, seria negligência. No nosso caso, do Poder Executivo, negligência em relação ao ataque às instituições. Cabe ao Poder Executivo fazer uma defesa do conjunto das instituições brasileiras, do Poder Judiciário, do Poder Legislativo, do Poder Executivo. No caso do Judiciário, não me cabe aqui ficar julgando ou avaliando. Acho que fez o que estava a seu alcance. E achou correto fazer.
O governo tem conseguido dialogar com as plataformas?
Sim, há diálogo, há respeito institucional. Toda semana, estou dialogando com as plataformas, seja em conjunto seja separadamente. Então, não há problema algum em termos de diálogo, e acho que há compreensão do papel de cada um. Inclusive por isso a gente sempre esteve aberto a discussões com Twitter e etc. Esse nível de ataque não é aceitável uma vez que esse tema nunca foi trazido a nós institucionalmente.
Já aconteceu havia ocorrido episódio parecido?
Nessa dimensão, esse episódio é inédito.
Tantos congressistas, quanto os ministros têm falado na necessidade de aprovar uma regulação da internet. Como o governo entende que esse processo deve ocorrer?
Esse tema vinha sendo tocado pelo parlamento brasileiro, estava em debate há quatro anos, portanto teve bastante diálogo com todos os setores. Nós apresentamos um conjunto de contribuições e viemos trabalhando junto com o relator (Orlando Silva) para dialogar, aparar arestas com as plataformas e com outros atores da sociedade civil interessados. Do nosso ponto de vista, a gente teria condições, inclusive, de apresentar isso como projeto, mas entendemos que era melhor partir de um debate já realizado na Câmara e seguimos entendendo, que, se a Câmara estiver disposta a avançar na agenda, este é o melhor caminho.
E como é que se daria essa regulação?
Em primeiro lugar, não pode ser uma regulação sobre conteúdos individualmente, ela precisa ser uma regulação que imponha algumas obrigações para as plataformas no sentido de fazerem valer o que é ilegal offline também legal no ambiente online. Isso é o principal. A segunda questão acho que a regulação tem de ter condição de avaliar o impacto dos algoritmos nos direitos fundamentais previstos na Constituição. Sempre que a gente entender que o funcionamento das plataformas está afetando de forma sistêmica direitos previstos na Constituição, deve haver um diálogo e uma ação institucional para que as empresas façam esses ajustes. É assim que a regulação europeia está funcionando, então a nossa inspiração maior é a relação da União Europeia e do Reino Unido, e é assim que a gente deveria avançar.
E caso fique provado algo que corrompa legislação brasileira. Quem seria punido?
Nesse caso, a punida tem de ser a plataforma. Os usuários devem ter preservados o seu direito de se expressar e vão responder na Justiça o que precisar responder, isso a partir das leis já existentes. O que a gente está propondo é uma regulação que traga obrigações para as plataformas e que, portanto, as sanções sejam aplicadas às plataformas não aos usuários.
Caso uma plataforma não aceite essas possíveis legislações, poderia deixar de operar no país?
O mercado brasileiro é aberto e, do nosso ponto de vista, tem que continuar a ser aberto todos os agentes estrangeiros, que aceite a legislação brasileira. Isso vale para bebida, calçado, relógio, energia elétrica e... para plataformas digitais.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) recentemente falou sobre a criação de um grupo de trabalho para debater esses novos projetos, até mesmo começar do zero a discussão sobre regulação de redes sociais. Tem que começar do zero? Não dá para utilizar alguma coisa que já foi proposta pela PL do deputado Orlando Silva (PCdoB)?
Essa é uma decisão da Câmara, a gente vai dialogar e atuar a partir da decisão da Câmara.
O presidente Lula afirma que algumas obras e ações do governo poderiam ser melhor comunicadas para a sociedade. As redes sociais do governo poderiam servir de alguma maneira para auxiliar as pessoas nesse processo, as redes sociais poderiam ser melhor usadas pelo próprio governo?
Não quero entrar nesse assunto, que não são da minha secretaria.
É uma preocupação as eleições de 2024 e a desinformação na internet?
Sem dúvida é, mas a gente está observando, até porque o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) é quem tem uma atuação primordial. Eles publicaram uma resolução sobre propaganda eleitoral que traz algumas obrigações novas. Então, vamos observar tanto as ações do TSE quando o impacto dessa legislação.
Quais as próximas ações agora da pasta de vocês com o episódio Elon Musk?
Vamos continuar acompanhando. Temos um conjunto de ações. Estávamos relator do governo no tema do projeto 2630 (PL de 2020 de autoria do senador Alessandro Vieira, que estabelece normas relativas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas), então nós vamos também contribuir para o projeto de discussão de regulação das redes sociais.