Mesmo cariocas acostumados ao dia a dia da violência urbana do Rio de Janeiro, como os jornalistas que me acompanham em um curso de reportagem em áreas de conflito oferecido pela Marinha do Brasil na capital fluminense, arregalaram os olhos quando a notícia do sequestro da tarde desta terça-feira (12) começou a pipocar nos smartphones.
Primeiro pela localização do crime: a rodoviária Novo Rio, por onde circulam 38 mil pessoas diariamente, localizada na zona portuária. Segundo pelo número de reféns envolvidos: 17 pessoas. Terceiro por se tratar de um ônibus. Muitos previram uma tragédia.
Aliás, as palavras "ônibus" e " sequestro" na mesma frase remetem a traumas da cidade. Um deles, o do famoso ônibus 174, de 12 de junho de 2000, quando um assaltante manteve 10 passageiros reféns por quatro horas dentro de um ônibus na Zona Sul. Durante a negociação, um agente do Batalhão de Operações Especiais (Bope) atirou contra o sequestrador, enquanto ele apontava uma arma para uma das reféns. Na ação, a passageira Geiza Gonçalves foi baleada e morreu. O criminoso, Sandro, foi asfixiado no camburão.
Outro trauma, mais recente, ocorreu em 20 de agosto de 2019, e teve como palco um dos cartões postais da cidade, a Ponte Rio-Niterói. O sequestrador fez 39 reféns também em um coletivo por cerca de três horas. Atiradores de elite mataram o rapaz, que carregava uma arma de brinquedo. A ação ficou conhecida pelo tom festivo do governador Wilson Witzel ao comemorar o desfecho.
Esta terça-feira (12) foi tarde para reviver o drama de um tipo de crime que, infelizmente, se tornou comum na cidade. Durante três horas, todos prendemos a respiração. Quem estava na rodoviária, presenciou tiros, correria. A região foi fechada.
Chamou a atenção a cronologia do caso: o ônibus partira da estação tendo como destino Juiz de Fora (MG). Após circular por 500 metros, o motorista percebera um problema mecânico e precisou retornar. Com o ônibus parado, alguns passageiros, devido ao calor, pediram para desembarcar. Nesse momento, o sequestrador, identificado como Paulo Sérgio de Lima, começou a atirar. Duas pessoas ficaram feridas. Segundo a polícia, o homem, que teria se desentendido com a facção da qual é integrante, na Rocinha, estava fugindo para Minas Gerais. Quando o ônibus precisou retornar, ele teria imaginado se tratar de uma blitz policial. Efetuou os disparos. Teve início o sequestro.
Ironicamente, no curso do qual participo junto com outros 33 jornalistas de várias partes do país, passamos a manhã discutindo táticas de negociação em casos de sequestros. Alguém lembrou do Ônibus-174. Outra pessoa citou a pitoresca imagem do governador festejando o desfecho do crime sobre a Rio-Niterói. No almoço, a violência no Rio também foi pauta das conversas à mesa. Em 2023, o número de assassinatos no Estado voltou a superar o de São Paulo – que tem quase o triplo da população, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Núcleo de Estudos da violência da USP.
A região da Rodoviária já registrou outros dois casos de sequestro desde dezembro do ano passado. Nos últimos meses, criminosos voltaram a fechar estabelecimentos, e tiroteios são registrados na Linha Vermelha, a mesma onde se lê em painéis luminosos "Rio - Cidade do G20 -, o encontro dos chefes de Estado, previsto para novembro, e onde animados motoristas de táxi, no trajeto entre o Aeroporto do Galeão e a Zona Sul, convidam os turistas a visitar a cidade para o show de Madonna, previsto para maio do ano que vem.