As investigações da Polícia Federal (PF) sobre a invasão ou tentativas de invasão feitas pelo software espião FirstMile à rede de telefonia brasileira revelam o perigo a que um país está exposto quando o seu setor de inteligência cai nas mãos de amadores ou de gestores interessados em utilizar um órgão de Estado a serviço de interesses pessoais.
A se confirmarem as suspeitas sobre a chamada "Abin paralela", a Agência Brasileira de Inteligência sob o governo Jair Bolsonaro teria utilizado o programa de geolocalização para produzir relatórios sobre ministros do Supremo Tribunal Federal e adversários do então presidente da República e seus familiares.
Como cidadãos, corremos riscos privados. Como nação, em última análise, o perigo foi da ordem da segurança nacional. Trata-se de um escândalo que o governo tenha transformado a Abin em seu braço estendido para bisbilhotar, sem autorização judicial, brasileiros. Mas essa é apenas uma face da vergonha nacional. A outra, tão grave quanto, consiste em expor o Estado brasileiro a riscos internacionais. A capacidade de invasão da rede de telefonia revela o quão fácil, para agentes externos, seria ter acesso a infraestruturas críticas para a segurança do país. Pior: a partir das denúncias do jornal Folha de S.Paulo, as três operadoras de telefonia (Tim, Vivo e Claro) sabiam dos ataques do FirstMile, mas não notificaram a Anatel — o que seria obrigatório, segundo o regimento interno do setor.
O presidente da República é o comandante-em-chefe da nação, o responsável maior pela defesa e pela segurança de um país. Ou seja, a se confirmar as suspeitas, Bolsonaro, um ex-militar (em tese alguém que, por dever de carreira, se supõe que conheça o tamanho da responsabilidade) teria exposto o país a um nível de fragilidade internacional poucas vezes visto na história.
Ainda não se sabe exatamente a dimensão do escândalo - quais e quantos dados teriam sido acessados pelo software bisbilhoteiro -, o que só será revelado nos próximos dias. Só então conheceremos exatamente o quanto cada cidadão ou o Estado brasileiro ficou exposto.
Ciberterrorismo, apagões, ameaças ao funcionamento de empresas e indústrias, sem falar de ameaças de ordem geopolítica estão entre as preocupações. Desprezar o tamanho da crise de inteligência a que o país foi exposto seria minimizar a importância de órgãos como a Abin na garantia da soberania nacional.