Autocrítica não significa "procurar culpados".
Não se trata disso, ao contrário do que o governador Eduardo Leite externou em entrevista ao Gaúcha+, da Rádio Gaúcha, na quarta-feira (6), ao responder ao questionamento do jornalista Gabriel Jacobsen sobre se os avisos emitidos pelo governo deram o tom correto para a população do que viria pela frente. Na sequência, Leite reagiu a um comentário do apresentador André Trigueiro, no programa "Em Pauta", da Globonews:
- Você quer colocar a culpa em mim porque eu falei dos modelos matemáticos que não apontaram a precipitação que estava prevista?
Talvez o momento ainda fosse delicado para se pensar sobre eventuais falhas - e provavelmente nem as autoridades tivessem respostas àquela altura. Era hora de salvar vidas. Mas, desde Sócrates, são as perguntas que nos fazem crescer como líderes, jornalistas e sociedade. Mais: nos fazem crescer como humanidade.
No jornalismo, fazemos autocrítica todos os dias. É duro. Erra-se e, infelizmente, continuamos errando. Mas, ao contrário das hordas que espalham desinformação nesses tempos tresloucados, buscamos o acerto. Assim como, acredito, o governo gaúcho também busca. Erra-se. Mas a intenção é não errar.
O Rio Grande do Sul está de luto. Devemos nos abraçar, física e simbolicamente. Mas o capítulo seguinte deve ser o de chamar todas as forças envolvidas no comando e controle de tragédias - da meteorologia a quem está no front, passando por quem escreve os textos do SMS da Defesa Civil - para avaliar onde eventualmente houve equívocos.
Uma engrenagem precisa estar azeitada para funcionar: um ciclo de reação que começa nos municípios, segue para a Defesa Civil do Estado e chega às Forças Armadas. Esse protocolo não justifica eventual demora. Mas ajuda a compreendê-la. Quanto tempo foi desperdiçado, enquanto famílias faziam buracos no forro para subir nos telhados e escapar das águas, para que as peças se movessem?
Como em uma tragédia aérea, um dos maiores desastres naturais da história gaúcha provavelmente tem diferentes causas.
O governo do Estado afirma que 17 alertas meteorológicos preventivos por SMS foram enviados da última sexta-feira (1) até terça (5). Quase consigo imaginar os destinatários das mensagens de texto deletando os alertas em seus celulares e seguindo suas vidas. Talvez essa não seja mais a forma adequada de se anunciar a gravidade do que pode vir. Talvez... Perguntas.
O comandante do Comando Militar do Sul, general Hertz Pires do Nascimento, e Leite disseram, de formas diferentes, que não foi possível prever com precisão a tragédia.
- Não existe alerta e previsão que dê a dimensão do que poderia acontecer aqui - afirmou o governador.
- Alguém tem bola de cristão para descobrir isso? - indagou o comandante militar.
Aliás, não. Ninguém quer bola de cristal ou horóscopo. O que se quer são dados, tecnologia e sincronia entre os agentes públicos da prevenção à reação. Sempre que ocorrem tragédias como essa, autoridades costumam vestir coletes da Defesa Civil a fim demonstrar a união de esforços de diferentes corporações. É um símbolo importante. Mas a vestimenta, por si só, não garante movimentos orquestrados. E, mais uma vez, tudo bem. A intenção é a melhor possível.
Santa Catarina aprendeu com suas tragédias. Não varrendo a sujeira para debaixo do tapete. Autocrítica é saudável. Dos municípios. Dos Estados. Das Forças Armadas. De nós todos. Talvez esse seja o preço que tenhamos de pagar para que as cenas oriundas do Vale do Taquari não se repitam nunca mais.