As reportagens de quarta (30) e quinta-feira (31) de Giovani Grizotti, do Grupo de Investigação da RBS (GDI), revelam que as irregularidades no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) não eram apenas um arranjo de um grupo de médicos que acertou, entre si, um esquema para trabalhar menos do que devia - o que já seria muito grave.
As novas denúncias mostram que seus gestores tinham ciência do que estava ocorrendo. Se sabiam, foram coniventes. E isso torna o caso um escândalo, porque concede, à fraude, caráter institucional.
Na quarta-feira (30), o secretário da Casa Civil, Artur Lemos, disse que o controle público falhou, pois o governo não recebeu as denúncias por nenhum dos canais oficiais. No mesmo dia, o governador Eduardo Leite afirmou que a fraude no Samu causa "indignação", mas que o "governo não recebeu qualquer denúncia".
Não é o que demonstra a reportagem desta quinta-feira (31). A informação segundo a qual o gabinete do vice-governador Gabriel Souza recebera dados sobre as irregularidades em abril eleva as suspeitas até o primeiro escalão do governo. Claiton Felix, o enfermeiro denunciante, conversou por duas horas com assessores do vice, como o próprio gabinete admite. Foi orientado a formalizar a denúncia, um procedimento que o governo entende como necessário para iniciar uma apuração interna.
Se a denúncia foi formalizada ou não (no caso, não o foi antes da publicação das reportagens) é um detalhe burocrático: qualquer assessor político que tem em mãos uma informação grave como essa tem o dever ético de levá-la ao chefe, que, por ofício, pode encaminhar uma investigação interna.
De tudo o que se viu na série de reportagens, desde domingo (27), o que desperta mais indignação é trecho sobre a madrugada de 6 de junho de 2023, quando deveria haver sete médicos na central de regulação do Samu. Havia apenas uma profissional. Às 6h, ela some do trabalho por meia hora, deixando o Estado inteiro sem o serviço de urgência. Quantos pais, mães e filhos poderiam estar telefonando àquele momento, desesperados, para pedir socorro. Quantos teriam ficado sem resposta?
O deputado estadual Pepe Vargas, líder do PT na Assembleia, apresentou à presidência da Casa requerimento para o início da coleta de assinaturas para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o Samu. São necessárias 19 assinaturas.
No requerimento, o parlamentar apresenta várias perguntas a que o governo deve responder: como funcionam os sistemas de controle de ponto? Quem abona? Quantos médicos atuam no serviço? Esse número seria suficiente?
Acrescento algumas: como se dão as ligações entre a estrutura do Samu e a Secretaria Estadual da Saúde? Até onde o Piratini sabia das irregularidades? Quem mais, na cadeia de comando, tinha conhecimento da farra das escalas?