No último sábado (15), o presidente eleito do Paraguai, Santiago Peña (Partido Colorado), comentou, durante visita a Taipé, capital de Taiwan, desejar a abertura, pelo Brasil, dos arquivos secretos sobre o conflito que ensanguentou o continente entre 1864 e 1870. A Guerra do Paraguai (ou Guerra de la Triple Alianza, como é conhecida no país vizinho), que opôs a Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) e as tropas do ditador Francisco Solano López, foi o mais violento confronto armado da região e ajudou a forjar o espírito de corpo e as nascentes Forças Armadas brasileiras.
Com o comando do Duque de Caxias, patrono do Exército, o Império Brasileiro, então sob o reinado de dom Pedro II, ao lado dos aliados, impôs uma derrota brutal ao ditador paraguaio, que havia, no princípio do conflito, sequestrado a embarcação Marquês de Olinda e invadido o Mato Grosso.
Muito do que ocorreu no conflito é conhecido e provoca orgulho até hoje na caserna. Basta observar os quadros históricos, como o famoso Combate Naval do Riachuelo, de Victor Meirelles, sobre a batalha icônica, evento fundante da Marinha brasileira. Mas há uma parte pouco conhecida da atuação brasileira na guerra que pode, não apenas nos envergonhar, como também mexer em feridas capazes de afetar as relações políticas atuais entre os dois países.
Uma vez tomada Assunção pelas tropas comandadas por Caxias, o militar teria dado a guerra por encerrada. Mas as ordens provenientes da Corte, no Rio de Janeiro, eram para que as forças aliadas seguissem até a derrocada total de Solano López. Já sob o comando do conde D'Eu, a Tríplice Aliança teria cometido massacres, como na batalha de Costa Ñu (ou Batalha do campo Grande, no Brasil), em agosto de 1869. Na ocasião, 3,5 mil crianças a partir de seis anos foram colocadas na linha de frente para proteger a fuga do ditador. Foram mortas, mesmo que algumas se apegassem, segundo relatos difíceis de se verificar autenticidade, às pernas dos soldados, implorando misericórdia.
Os episódios de estupros, tortura, saques e execuções sumárias pululam os estudos de acadêmicos paraguaios, a ponto de serem comparados ao genocídio armênio cometido pelo Império Turco-Otomano na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Os pedidos pela abertura dos arquivos, guardados no Itamaraty, não são novos. Há pelo menos 20 anos, pesquisadores paraguaios iniciaram esse movimento, alegando que Argentina e Uruguai, parceiros do Brasil na guerra, já o fizeram. Em 2010, o então presidente Federico Franco reforçou o pedido, exigindo também a devolução de equipamentos militares paraguaios exibidos pelo Brasil como troféus de guerra - um deles, o famoso canhão El Cristiniano, forjado a partir do material dos sinos das igrejas de Assunção e utilizado na Batalha de Curupaiti, em setembro de 1866, vencida pelo Brasil. O canhão está hoje em um pátio no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. Peña, que assume em 15 de agosto, também sinalizou que, além da abertura dos arquivos, deseja peças como essas de volta.
O pedido, uma vez oficializado, tem potencial para aprofundar fissuras nas relações do Cone Sul. Em última análise, pode até se transformar em exigência de uma reparação histórica por parte do Brasil, valor avaliado no passado em US$ 150 bilhões.
O governo brasileiro ainda não se manifestou sobre a fala de Peña. Mas, no passado, Lula já se disse simpático à ideia. Populações têm o direito de conhecer sua história. E relações entre pessoas ou nações só se consolidam a partir de uma postura de transparência. Aguardemos cenas dos próximos capítulos.