Tudo o que de bom e de ruim que ocorreu no Paraguai em boa parte dos séculos 20 e 21 pode ser creditado na conta do Partido Colorado, uma máquina política que domina a estrutura de poder do país vizinho há décadas. É o ônus e o bônus de se ser governo há tanto tempo. Na história recente, os colorados apenas não estiveram na presidência entre 2008 e 2012, quando Fernando Lugo, no contexto da América Vermelha, comandou o país até sofrer um impeachment-relâmpago.
Tal hegemonia está em jogo neste domingo, ameaçada pelo Partido Liberal Radical Autêntico, uma frente ampla de agremiações que vai da esquerda ao centro. As pesquisas mostram que a derrota até pode ocorrer, mas é dificilmente o Colorado deixará o Palácio de los López, em Assunção. Na hora H, o peso da História pende para o lado do conservadorismo no Paraguai.
O desafiante Efraín Alegre, da Concertación Nacional, tem 34,3% das intenções de votos contra 32,8% do ex-ministro da Economia Santiago Peña, representante do atual presidente Mário Abdo Benítez. Trata-se de empate técnico e, como não há segundo turno, tudo se define no domingo mesmo - por diferença de apenas um voto, se for preciso.
Em terceiro lugar está um candidato nacionalista, que é comparado pela imprensa paraguaia a Jair Bolsonaro. Paraguayo Cubas lembra o ex-presidente brasileiro pelo intenso uso de redes sociais, por uma campanha focada em discurso nacionalista e anti-establishment. Em menos de um mês, cresceu impressionantes oito pontos percentuais nas pesquisas de intenção de voto, chegando a 23%.
É um tipo polêmico. Em 2019, quando a polícia fazia uma apreensão de madeira ilegal em uma fazenda no município de Minga Porá, ele apareceu em um vídeo defendendo que se matasse "pelo menos cem mil brasileiros bandidos". A propriedade era de um brasileiro.
Mas há vários pontos de contato entre o Paraguai e o Brasil que vão além de eventuais rixas personalistas. Membro do Mercosul, o país vizinho divide com o Brasil uma porosa fronteira na qual o contrabando e o tráfico de armas e narcóticos correm soltos. Além disso, caberá ao futuro governante renegociar as regras que definem a tarifa de energia produzida pela hidrelétrica de Itaipu. O tratado binacional completou 50 anos no último dia 26. Tudo o que é gerado pela usina é dividido ao meio, mas, como o Paraguai não consome toda a sua parte, vende o excedente ao Brasil. São os termos desse tratado que estão em jogo. Embora se pudesse imaginar que um presidente de esquerda pudesse ter maior afinidade com Lula, Efraín Alegre tem dito que o modelo atual não convém ao Paraguai.
Outro tema diz respeito à China. O Paraguai é um dos poucos países do continente que reconhece Taiwan como "verdadeira" China - e não o território continental comandado pelo Partido Comunista Chinês, principal parceiro comercial do Brasil e com quem Lula deseja, no âmbito do Mercosul, um acordo de livre comércio. Alegre tem defendido que se encerre essa relação com Taiwan, após quase 70 anos, a fim de abrir aos paraguaios (e muitos brasileiros que plantam soja por lá) os mercados chinês para a soja e carne. O sopro do dragão, mais uma vez, é bastante sedutor.