Ninguém espera negociações na reunião de cúpula entre União Europeia (UE) e Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), segunda (17) e terça-feira (18). O fórum, que ocorre pela primeira vez em oito anos e reunirá líderes de 27 países europeus e 33 latino-americanos e caribenhos é essencialmente político. Mas, como se sabe, as duas coisas, economia e política, estão entrelaçadas.
O bode na sala é o acordo UE-Mercosul. Não se espera diálogos, estabelecimento de metas e muito menos o vazamento do conteúdo da contraproposta escrita pelo Brasil, que deve chegar ao outro lado do Atlântico com atraso. O texto ainda está sendo negociado entre os parceiros do Mercosul. Mas espera-se, isso sim, uma sinalização, em especial do Brasil, o maior país do bloco sul-americano, de que há, de fato, interesse em seguir dialogando para que o acordo saia do papel. Essa expectativa, inclusive, fez o presidente Lula decidir viajar a Bruxelas, onde chegou neste domingo (16).
A negociação do acordo, iniciada em 1999, no governo Fernando Henrique Cardoso, ficou em banho-maria por anos, até um entendimento, em 2019, na maior vitória diplomática de Jair Bolsonaro. Mas, desde então, os arranjos voltaram a ficar paralisados. A falta de uma política ambiental do então presidente brasileiro, as cenas chocantes da Amazônia em chamas e a adoção, em 2020, do Pacto Verde pela UE para a neutralidade de carbono em 2050, fizeram o bloco europeu endurecer o tom com o Mercosul. Um texto adicional foi incluído nas negociações, a chamada "side letter", com maiores exigências e compromissos ambientais.
Os reais motivos desse documento, algo como mudar a regra do jogo com a partida em andamento, ainda não são totalmente conhecidos. Há rumores de que ele possa ter sido escrito em 2021 para ser endereçado a Bolsonaro como forma de a UE redobrar os cuidados com o Mercosul diante de um líder pouco preocupado com a questão ambiental. Para outros, trata-se de protecionismo travestido de preocupação com o ambiente - os agricultores franceses nunca morreram de amores pelo tratado de livre comércio. O fato é que a "side letter" foi encarada com irritação por Lula, que afirmou em julho que amigos não negociam em ambiente de desconfiança.
Por um lado, há uma janela de oportunidade para o acordo, um tempo histórico raro: a presidência rotativa da UE está com a Espanha, do socialista Pedro Sánchez, um conciliador, que encontra nos vizinhos portugueses apoio. Fosse o comando francês ou alemão, por exemplo, seria mais difícil: Emmanuel Macron sofre, além das pressões dos agricultores, vive revoltas internas desde sua reforma da Previdência empurrada guela abaixo no parlamento. O chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, saiu do Brasil com a negativa de venda de blindados que seriam enviados para a Ucrânia. Atualmente, o Brasil é o presidente rotativo do Mercosul. Uma parceria Sánchez-Lula reforça as expectativas.
Mas, se há a tal janela de oportunidades, ela também pode se fechar em breve. Sánchez convocou eleições gerais na Espanha, marcadas para 23 de julho. Há grandes chances de o Partido Popular (direita) vencer. O primeiro-ministro passaria a ser Alberto Feijóo, menos afeito ao acordo. Do lado de cá, há divisões no Mercosul: o Uruguai quer se livrar das amarras da negociação em bloco para selar um acordo de livre comércio com a China. O Paraguai, com o futuro presidente, Santiago Peña (Partido Coloaro, direita), que assume em agosto, afirmou, no sábado (15), desejar que o Brasil abra os arquivos da Guerra do Paraguai (1864-1870) e devolva equipamentos militares apreendidos no conflito e que hoje estão em museus brasileiros. Sinal de mal-estar à frente.
Sobrou a Argentina de Alberto Fernández (Partido Justicialista), o único país alinhado à esquerda de Lula no Mercosul. Mas o país vizinho em crise realiza eleições presidenciais em outubro com grandes chances de o candidato governista (o ministro da Economia Sérgio Massa) perder - e a Casa Rosada voltar às mãos da direita, com o chefe de governo da cidade de Buenos Aires, Horacio Larreta, ou a ex-ministra da Segurança Patricia Bullrich. Com viés liberal, ambos, em tese, seriam favoráveis a acelerar o acordo com a UE, mas não espere uma dobradinha com Lula.
Sem negociações em Bruxelas, um compromisso de que ambos os blocos continuam interessados no acordo já pode ser considerado uma vitória.