As engrenagens das máquinas de produzir desinformação costumam se movimentar mais rapidamente à medida que eleições se aproximam. Foi assim nos Estados Unidos e no Brasil e, agora, o fenômeno se repete na Argentina, cujo pleito presidencial ocorrerá em outubro.
O curioso é como grupos políticos no Brasil "importam" vídeos e postagens com informações falsas que se tornaram virais do outro lado do Rio da Prata para reforçar suas mensagens também por aqui - no caso, o rechaço à esquerda representada pelo kirchnerismo.
Nas últimas semanas, circulou em grupos de WhatsApp ligados à direita no Brasil um vídeo sobre a inauguração, pelo presidente Alberto Fernández e a vice, Cristina Kirchner, do novo gasoduto que liga Vaca Muerta à província de Buenos Aires. Na sequência de imagens aparece um tubo não terminado, sem conexões. Em seguida, após Cristina girar o registro, simbolicamente, abrindo as torneiras do gás, funcionários aparecem desmontando as estruturas.
A ideia, obviamente, é passar a mensagem falsa de que toda a cerimônia não teria passado de uma farsa. O kirchnerismo teria inaugurado uma obra inacabada a fim de convencer o governo brasileiro a acelerar o empréstimo, via BNDES, para a conclusão dos demais trechos.
Há, no fato, várias imprecisões, inverdades e informações tiradas de contexto.
Primeiro, o governo argentino não precisa "convencer" o Planalto de que a obra está andando para receber o financiamento. Isso já foi garantido pelo governo Lula em visita a Buenos Aires, em janeiro, e em encontros entre os presidentes brasileiro e argentino em Brasília nos meses seguintes.
A inauguração tem a ver com dois pontos domésticos: primeiro a crise econômica, o país aposta na obra para alcançar a independência em gás até 2025. Com a inauguração do trecho, o governo poderá, desde já, economizar nas importações e reduzir a falta de dólares que alimenta a inflação. Segundo, a proximidade das eleição de outubro e, antes, das PASO, as prévias. A esquerda (que terá como candidato em outubro o ministro da Economia, Sergio Massa) enfrenta queda de popularidade e o desafio de se manter na Casa Rosada diante de uma direita que virá com tudo. Logo, inaugurar obras, como todo candidato sabe, é salutar.
Avaliado o contexto, falemos sobre o vídeo em si. A suposta tubulação interrompida é, na verdade, um mecanismo de segurança que permite realizar tarefas de controle e manutenção chamado "scraper" - a maior parte do gasoduto fica enterrada.
O site Chequeado, um dos mais respeitados veículos de jornalismo e de checagem da América Latina, que por coincidência é argentino, analisou as imagens e buscou os dados verídicos. Confirmou que não apenas a estrutura, ou o "tubo sem término", como dizem os comentaristas nas redes sociais, se trata, de fato, desse mecanismo de segurança. A abertura propriamente dita do registro foi “simbólica”, dado que “a válvula que opera o tubo que transporta gás a tamanha pressão somente pode ser aberta pelo pessoal técnico que opera o gasoduto”.
Mas o gasoduto está lá, foi concluído e está em operação desde 9 de julho. Tratam-se de 573 quilômetros entre Vaca Muerta e Salliqueló. O trecho que será financiado via BNDES é outro, entre o final dessa estrutura, na Província de Buenos Aires, e o Gasoduto Norte, mais próximo da fronteira brasileira, com o Rio Grande do Sul.
Ou seja, embora simbólica, a inauguração não foi falsa.
Já sobre a imagem dos trabalhadores supostamente desmontando a estrutura após a cerimônia também não é real. O jornal Clarín, de Buenos Aires, apurou a informação. O trabalho tinha como objetivo automatizar as operações do gasoduto. Essa ação não afeta a construção do gasoduto, já pronto. Os procedimentos apenas têm como função manter a estrutura funcionando.