Silvio Berlusconi está longe de ter sido o primeiro populista italiano. E, obviamente, não foi o último. Mas inaugurou na Itália - sempre a Itália, laboratório vivo de tendências políticas, para o bem e para o mal - um fenômeno contemporâneo ainda não totalmente decifrado: o político que tenta não parecer político, que, chega ao poder com o discurso anti-establishment, mas, uma vez no Olimpo, comporta-se como os demais da tribo e é absorvido pelo lado obscuro da administração pública.
Berlusconi foi o mentor, meio sem saber, de um clube integrado, na segunda década do século 21, por Donald Trump, Jair Bolsonaro, Viktor Orbán e outros.
Berlusconi, que fique claro, não pariu essas figuras políticas, até porque Trump, Bolsonaro e Orbán são frutos da azeitada engrenagem das redes sociais a serviço de seus interesses. As big techs nem existiam tais quais as conhecemos hoje quando Berlusconi chegou ao poder pela primeira vez, em 1994. Mas ele soube, como nenhum outro a seu tempo, sintonizar-se ao espírito dos eleitores, no qual reinava um desencanto brutal em relação às instituições.
Enquanto Berlusconi exercia seu nacionalismo particular e disparava frases machistas, sexistas e racistas, a imprensa profissional simplesmente, de forma acrítica, reproduzia seus pronunciamentos sem se dar conta de que nascia, ali, um animal político que faria escola em outros quadrantes. Ele parecia apenas “folclórico”, “bonachão” para a mídia profissional. Mas, por trás disso, ele corrompia o sistema, enquanto o mundo em geral e a Itália em particular se divertia com o bufão.
Empresário bem sucedido, Berlusconi trazia para a política a suposta visão do administrador. Um outsider que gerenciaria a nação como quem comandava, com sucesso o Milan em grande fase - qualquer semelhança entre Trump e suas empresas não é mera coincidência.
Berlusconi, como todo homem, no entanto, era fruto de seu tempo. E soube aproveitar esse momento de descrença na política tradicional para concentrar, além do poder econômico de suas empresas - hoje, o Grupo Fininvest é proprietário de emissoras de TV, editoras, o clube de futebol Monza e outras companhias que fazem de sua família a quarta mais rica da Europa -, também o poder político. Il Cavalieri (O Cavaleiro), como era conhecido, ascendeu ao poder por entre as ruínas do sistema político destruído pela Operação Mãos Limpas (Mani Pulite), deflagrada em 1992 contra a corrupção de agentes públicos por empresas.
Do colapso dos partidos tradicionais - leia-se Partido Democrata Cristão, Partido Socialista Italiano e Partido Comunista -, ergueu-se um tipo que se vendia como “apolítico”. Assim como, no Brasil, a corrupção do PT e a operação Lava-Jato (inspirada na Mãos Limpas, segundo o ex-juiz e hoje senador Sergio Moro) ajudaram a alçar Bolsonaro ao Planalto, Berlusconi, antes, também aproveitou-se desse vácuo de poder.
Se no Brasil Bolsonaro soube conquistar boa parte do eleitor evangélico, na Itália, Berlusconi buscou no futebol (paixão em comum entre nós e eles) o motor de suas campanhas. O Força Itália, partido que fundou, é inclusive inspirado nos gritos da torcida nas arquibancadas. E a figura politicamente incorreta (por vezes criminosa) também conquistava o italiano médio.
Bersluconi foi réu em mais de 30 processos por corrupção e prostituição infantil. Em 2013, os convidados de uma de suas festas (as chamadas “bungas-bungas") incluíam uma dançarina marroquina menor de idade, a Ruby, com quem teria feito sexo em troca de dinheiro e joias - ele acabou sendo inocentado por falta de provas.
Berlusconi perdeu o mandato em 2013 e ficou inelegível por fraude fiscal. Mas, como todo sobrevivente político, retornou das cinzas: em 2022 foi eleito senador, cargo que exerceu até a morte nesta segunda-feira (12).
Foi primeiro-ministro da Itália em três ocasiões (1994-1995, 2001-2006 e 2008 e 2011). Teve cinco mandatos na Câmara dos Deputados e dois no Senado. E, em duas vezes, foi representante italiano no Parlamento Europeu. Sempre fanfarrão.
Talvez nem ele próprio tenha tido a noção exata do tipo político ao qual deu origem. Um tipo que, aparentemente, veio para ficar na política da Itália - e do mundo.