Não espere que Ucrânia ou Rússia assuma a responsabilidade pela explosão que abriu o rombo na barragem de Nova Kakhovka. Faz parte da estratégia, como já ocorreu no vazamento do gasoduto Nordstream, no ano passado, aprofundar a densidade da névoa da guerra.
As cenas impressionantes das águas tomando conta de mais de 80 localidades na região de Kherson, no sul da Ucrânia, provam que todo mundo perde com o conflito. Mas, como sempre, os primeiros a sofrer são os civis: cerca de 17 mil pessoas que vivem nas margens do Rio Dniepro estão vulneráveis, muitas já deixaram suas casas. Além do dano imediato, a curto prazo, há risco de uma tragédia ambiental e nuclear - as águas contidas pela barragem servem para o resfriamento da usina de Zaporizhia.
Do ponto de vista tático, a explosão na barragem também desfavorece tanto a russos quanto a ucranianos.
Pelo lado das tropas de Vladimir Putin, o alargamento do rio dificulta uma possível ofensiva anfíbia pelo lado da Ucrânia, algo que era especulada há meses. A ideia seria abrir fissuras entre as tropas russas, desarticulando as defesas no sul do país e desviando a atenção dos generais para um ataque no Donbass, no leste do país. Mas há reveses: com a inundação, as tropas russas precisaram recuar para pontos mais altos. E há risco para abastecimento: a barragem abastecem um canal que leva água potável para a Crimeia, anexada pelo Kremlin em 2014, e irriga lavouras naquela área.
Já para a Ucrânia, há riscos: a hidrelétrica que leva o mesmo nome da barragem abastece com energia boa parte do país. Ao mesmo tempo, a explosão retarda a movimentação de tropas russas e cria um naco de terra inundada que corta, em parte, a chamada ponte terrestre entre o Donbass e a Crimeia.
Não é de hoje que os dois países se utilizam da tática de destruir infraestruturas como barragens para ganhar vantagens militares: no início do conflito, no ano passado, a Ucrânia detonou uma dessas estruturas para retardar o avanço russo sobre a capital, Kiev. Durante a Segunda Guerra Mundial, os soviéticos explodiram uma barragem no mesmo rio Dnieper para atrasar o avanço das tropas nazistas.
A destruição de infraestruturas, como represas, capazes de prejudicar a população civil, é considerado um crime de guerra, segundo os protocolos adicionais às Convenções de Genebra. Mais um motivo para Ucrânia e Rússia se acusarem mutuamente.