Um ponto nebuloso dos protestos de junho de 2013, que completam 10 anos, é se aquele estupor social significou a retomada das ruas pela esquerda ou se o que ocorreu foi a gênese de um movimento que, na sequência, seria sequestrado pela direita.
Felizmente, a sociedade é fluida, ou liquida, como diria Zygmunt Bauman. E muita coisa ocorreu entre 2013 e 2023. Os protestos, por si só, isoladamente, a despeito das narrativas, não explicam o Brasil dos últimos 10 anos.
Atribuir os fatos políticos subsequentes a um grande cataclisma político como tendo apenas as jornadas de junho como ato histórico número 1 é esquecer que, depois dos ventos Queda da Bastilha, na França de 1789, sopraram tempestades, a partir do Congresso de Viena (1815), responsável por restaurar o Antigo Regime e o absolutismo na Europa. Mais: é negar que a Revolução Francesa pariu o déspota Napoleão Bonaparte. Isso tudo em um intervalo temporal de 26 anos.
Entre junho de 2013 e janeiro de 2023 no Brasil, houve a Lava-Jato (criada em 2014), três eleições presidenciais e estaduais (2014, 2018 e 2022), dois pleitos municipais (2016 e 2020), o impeachment de uma presidente (Dilma Rousseff), um ex-presidente preso, libertado por irregularidades processuais e eleito democraticamente, em 2022 (Lula), um juiz (Sergio Moro) e um procurador (Deltan Dallagnol) alçados ao Olimpo dos heróis e convertidos em políticos (um deles, Deltan, tendo o mandato cassado recentemente), a perda de poder relativo das instituições, crises econômicas, a ascensão da extrema direita global e o fenômeno das redes sociais, que, de bastiões da liberdade, se tornaram o esgoto da sociedade, ou, em outras palavras, os donos da bola no campo do debate da Ágora democrática.
Os protestos de 2013 foram e ainda são incompreendidos. Por certo não eram por R$ 0,20. Naquele junho, eu vi o jornalista Caco Barcellos ser expulso e hostilizado por uma multidão no Largo do Batata, em São Paulo. Logo ele, que costumava dar voz aos escanteados pela globalização e o poder. Há algo errado no ar quando repórteres e fotógrafos precisam sair para as ruas para fazer seu trabalho, reportar os fatos, com garrafas de vinagre nos bolsos máscaras de antigás lacrimogêneo. Ou quando o parlamento é atacado, em 20 de junho de 2013, o dia mais violento de Brasília até o 8 de janeiro de 2023.
Os protestos de uma década atrás, sozinhos, não explicam o Brasil. Há o fenômeno da desintermediação, a rejeição ao poder, o espírito do tempo (Occupy Wall Street, Puerta del Sol, alt-right americana), o ativismo judicial crescente, a recessão, os perdidos com a globalização, a corrupção do PT, a polarização, o fortalecimento do extremismo, a influência evangélica, a retomada do protagonismo político das Forças Armadas, as redes sociais e a nova direita.
O pacto social se rompeu em junho de 2013, mas, sozinho, não explica o que veio depois. Esse é um debate ainda em aberto. Porque a História é escrita todos e a cada um dos dias. Pela ação individual e coletiva.