Há coisas que só ocorrem no Brasil. Ou você já viu, em outro lugar do mundo, um presidente montar uma equipe, governar por quase três meses e estar prestes a ser obrigado a demitir 17 ministros, quase a metade de seu time. E pior: do dia para a noite, ter de passar a comandar a nação com a mesma estrutura ministerial do governo anterior.
Só no Brasil.
Essa é a realidade na capital federal nesta quarta-feira (31), a um dia do prazo limite ao qual o Planalto tem para aprovar a medida provisória (MP) que reestrutura os ministérios, ampliando-os de 23, no governo Jair Bolsonaro, para 37. Essa decisão foi assinada no início do ano por Lula, mas, como toda MP, precisa ser aprovada pelas duas Casas do Congresso em no máximo 120 dias a fim de virar lei. Caso contrário, caduca.
Se a medida não passar - e há sérios riscos de isso ocorrer -, Lula terá, já a partir de sexta-feira (2), de jogar com a formação do governo anterior. Imediatamente, estarão sem emprego na Esplanada 17 ministros, entre eles pesos-pesados do terceiro mandato, como o vice-presidente Geraldo Alckmin, que acumula o cargo de titular da pasta do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Simone Tebet, do Planejamento, e o gaúcho Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação (Secom).
O alerta vermelho acendeu no Planalto e, nesta quarta-feira (31), Lula realizou uma reunião de emergência para tratar do assunto, antes que o tema volte a ser discutido à tarde na Câmara. Não há mais como ganhar tempo.
O governo já entra em campo perdendo, depois do esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas na semana passada. A segunda pasta, comandada por Sonia Guajajara, inclusive, deixará de existir se a MP for reprovada. E muitas outras simplesmente sumirão: Trabalho, Cultura, Desenvolvimento Agrário, Cidades, para ficarmos em algumas.
O governo, de novo, está nas mãos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Foi graças a seu poder de articulação que o Planalto conseguiu a vitória na aprovação da nova regra fiscal, também na semana passada. Só que, ao contrário do arcabouço que irá substituir o teto de gastos, algo de interesse inclusive de alguns parlamentares da oposição - como mostrou os votos à direita e ao centro na votação no plenário -, a reorganização da estrutura dos ministérios, superinflada, é verdade, atrai rejeição maior.
Há problemas de interlocução entre o governo e o Congresso e, nesses três meses, o Planalto não conseguiu solidificar uma base de apoio. Os deputados ainda estão à espera do toma-lá-dá-cá da liberação de emendas e nomeações em cargos regionais. Mas nada é maior do que o desejo de muitos de minar o governo por dentro e inviabilizar Lula 3 - a começar pelo primeiro escalão.