Um encontro, espécie de retiro de um dia de líderes sul-americanos em Brasília, já tem sua imagem icônica capaz constranger boa parte dos brasileiros, inclusive na esquerda: a recepção de gala conferida por Lula, no alto da rampa do Planalto, ao principal representante de uma autocracia no continente: Nicolás Maduro.
O ditador venezuelano é hoje o exemplo mais bem-acabado de um ditador latino-americano. Miguel Díaz-Canel, de Cuba, é fraco e apagado demais para ser elevado ao panteão dos tiranos contemporâneos, embora tenha herdado o sangue nas mãos da ditadura dos irmãos Castro; e Daniel Ortega, da Nicarágua, ainda está em formação, é um protoditador.
Maduro transformou seu país em um feudo particular erigido desde os anos Hugo Chávez.
Conheci a Venezuela em dois tempos: em 2007, quando o pai do chamado "socialismo do século 21", que refundou a nação, mudou o nome do país e a Constituição para se perpetuar no poder, usou o evento nascido em Porto Alegre como vitrine de sua ideologia. Começava ali o sequestro das instituições venezuelanas - forças armadas, Legislativo, Judiciário e imprensa.
Em 2018, como enviado para cobrir a crise provocada pela autoproclamação de Juan Guaidó como presidente - uma aventura com características golpistas, só que apoiada pela direita -, experimentei as garras da ditadura madurista, ao ser retido pelas forças do governo por fazer meu trabalho como jornalista: fotografar uma manifestação de apoio ao governo em frente ao Palácio de Miraflores, em Caracas.
Senti o que milhares de jornalistas venezuelanos sabiam havia tempos: não existe liberdade de imprensa na Venezuela. E, se não há liberdade de imprensa, logo, não há democracia.
A diferença dos hermanos de América Latina e de profissão é que, após duas horas com celular e passaporte confiscados, fui fichado, ameaçado de ser preso novamente, mas pude deixar o país. Os venezuelanos, ao contrário, são presos em sua própria nação.
Maduro é conhecido por não deixar seu país, onde ele é a lei. Como Vladimir Putin e outros tiranos, se pisar fora de seus reinos, correm o risco de serem presos porque pesam contra eles denúncias em organismos internacionais - em parte foi por isso que o venezuelano, anunciado como estrela da posse de Lula, deixou de vir a Brasília em 1º de janeiro. Agora, se viaja ao Brasil, é porque se sente seguro em território brasileiro, o que também nos constrange diante da fama de impunidade que ora vigora por aqui. Putin, por exemplo, só vai à China e a Belarus, países onde estão a salvo da Interpol.
Não é o primeiro autocrata que o presidente brasileiro aperta a mão. Lula esteve com Xi Jinping, na China, e com os emires do Golfo Pérsico, cujo histórico de violação de direitos humanos também são conhecidos.
A diferença é que, na América Latina, o Brasil exerce liderança. Deveria dar o exemplo. Ao prestar honras a Maduro, Lula está chancelando um regime cruel, que sufocou a imprensa profissional até eliminá-la por completo, que mantém opositores políticos no cárcere e que levou outrora um dos países mais prósperos do continente, com subsolo encharcado de petróleo, à ruína total.