Houve um tempo em que comparávamos a "deep web" a um iceberg: a parte visível da internet era a ponta do grande bloco de gelo, que ficava para fora da água, minúscula, se comparada ao podre mundo submerso, onde todo tipo de crime transcorria livre, leve e solto. Policiais precisavam se infiltrar na deep web para investigar quadrilhas que articulavam da venda ilegal de armas ao tráfico de órgãos.
Hoje, criminosos não precisam se esconder no lodo da internet profunda. Discursos nazistas, fascistas, homofóbicos, racistas, contra a democracia e de incitação à violência em escolas ocorrem na parte emersa do iceberg, essa porção da web na qual eu, você e seus filhos e netos navegamos. É nas redes sociais que todo o esgoto da sociedade escorre.
Por isso, a necessidade de regulamentação permeou praticamente todas as falas dos presentes na reunião desta terça-feira (18) entre o presidente Lula, ministros, outros chefes dos poderes, governadores e representantes de municípios para tratar de ações para frear tragédias nas instituições de ensino como as que ocorreram em São Paulo e em Blumenau.
A data do encontro no Planalto foi simbólica: cem dias dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes. Isso porque, guardadas as proporções, a gênese de ataques à democracia e massacres em escolas é a mesma, a desinformação. Em sua fala, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes sugeriu que a inteligência artificial utilizada pelas big techs para a retirada rápida de circulação de conteúdos envolvendo pedofilia e direitos autorais seja estendida pelas plataformas aos discursos de ódio para reduzir a sensação de terra sem lei das redes.
— Se não houver uma autorregulação, e uma regulamentação com determinados modelos a serem seguidos, vamos ver a continuidade dessa instrumentalização pelas redes para incentivar ataques nas escolas, mais do que isso, aumento de número de suicídios e de casos de depressão por ataque nas redes — afirmou.
Quem acompanha o debate sobre regulamentação no mundo e no Brasil há algum tempo compartilha da sensação de que o cerco se fechou contra as plataformas. Enquanto o projeto de lei das fake news passa vagarosamente de gaveta em gaveta no Congresso há mais de três anos e o debate, por vezes, parece técnico demais a partir de seus próprios jargões, Moraes simplificou em uma frase o que poderia se resumir a apenas um artigo na legislação:
— O que não pode no mundo real não pode no mundo virtual.
Simples assim.
Direito de pergunta 1
O Twitter, que inicialmente resistiu às pressões do governo federal diante de sua permissividade perante discursos de ódio, anunciou que passará a rotular publicações que violam suas regras de conduta. A medida inclui um alerta atrelado ao post, avisando que o conteúdo fere as regras da plataforma. Não seria mais fácil, simplesmente, retirar a publicação do ar?
Direito de pergunta 2
Em pouco mais de cem dias de governo, o presidente Lula foi à Argentina, ao Uruguai, aos EUA, à China e aos Emirados Árabes Unidos. Na próxima sexta-feira (21), embarca para Portugal e Espanha. Não caberia permanecer um pouco mais em Brasília para lidar com temas domésticos que batem à porta, como a violência nas escolas, o início da tramitação da regra fiscal no Congresso, o pacote de regulamentação das redes sociais, a não testada base no parlamento e as CPIs dos atos golpistas e do MST em formação?