Depois das declarações desastradas de Lula na China, ao dizer que a Ucrânia é tão culpada pela guerra quanto a Rússia, o presidente fecha um ciclo perigoso de alinhamento com China e o Kremlin, nesta segunda-feira (17), ao receber Serguei Lavrov, em Brasília. O ministro das Relações Exteriores russo é o senhor da guerra de Vladimir Putin, o principal rosto do conflito desde que o país, antes da invasão, acumulava soldados na fronteira ucraniana.
Os Estados Unidos observam com atenção os movimentos da diplomacia brasileira. Entre representantes americanos está claro que o peso na balança pendeu para o lado da China e da Rússia, os dois países questionadores da ordem liberal internacional erigida no pós-Segunda Guerra Mundial - e, por consequência, da unipolaridade do sistema internacional.
Para ser mediador de qualquer conflito, desejo de Lula, é pré-requisito neutralidade. O presidente brasileiro esqueceu, na China, essa premissa: além de culpabilizar a vítima da guerra, a Ucrânia, acusou os EUA e a Otan de incentivarem o conflito.
Vale lembrar que, em duas ocasiões anteriores, Lula não adotou o mesmo tom crítico em relação ao outro lado: na visita do chanceler alemão, Olaf Scholz, a Brasília, e na viagem a Washington, quando evitou criticar Putin pela invasão.
Receber Lavrov é quase tão perigoso para as relações externas brasileiras quanto receber o próprio Putin (aliás, o ex-presidente Jair Bolsonaro se encontrou com o líder russo semanas antes do início do conflito, em 2022). O chanceler do Kremlin é responsável por todas as tragédias que a Rússia cometeu além de suas fronteiras nos últimos 19 anos, tempo em que está à frente do ministério: no Cáucaso, na Geórgia, na Crimeia e, agora, no resto da Ucrânia.
A viagem ocorre sob o olhar desconfiado de alguns dos principais parceiros do Brasil. Do lado americano, há até irritação. Funcionários dizem as frases na China e nos Emirados Árabes Unidos não são mais vistas como deslize de Lula, mas como uma sequência de pronunciamentos hostis (além das críticas à posição americana na Ucrânia, houve insinuações de revisão do dólar como moeda de trocas internacionais e o apoio à política de Uma só China, em relação a Taiwan). As frases deixam de ser uma trapalhada e passam a ser interpretadas como uma política de governo.
A comunidade ucraniana no Brasil divulgou nota indicando que ele representa um país agressor de outro país soberano. E relembrou que ele é o braço direito do homem sob o qual pesa mandado de prisão pelo Tribunal Penal Internacional (TPI).
A visita de Lavrov foi acertada durante encontro prévio entre o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, e o russo, em reunião à margem do G20, na Índia, em fevereiro. Além das discussões sobre a guerra, que diga-se de passagem o Kremlin chama de "operação militar especial", o Itamaraty diz que o encontro tem como objetivos tratar da parceria estratégica brasileiro-russa e de oportunidades de cooperação bilateral em diferentes áreas, além de fortalecer o diálogo político.
Relações comerciais com ditaduras são possíveis (EUA-China, EUA-Arábia Saudita, Brasil-Irã). Mas alinhamentos políticos, cedo ou tarde, cobram seu preço.