Os depoimentos de quase 90 militares da ativa nesta quarta-feira (12) à Polícia Federal, em Brasília, sobre os atos e omissões das Forças Armadas a respeito dos ataques do dia 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes emitem sinais importantes para a República. O primeiro, claro, tem fim em si mesmo: esclarecer como apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro acamparam, por mais de um mês, em uma área de segurança nacional, o QG do Exército, na capital federal, marcharam naquele domingo fatídico, com livre trânsito pela Esplanada dos Ministérios, e invadiram os prédios mais importantes do Brasil sem serem importunados.
Porém, além de ajudar a esclarecer o eventual papel dos militares nos atos golpistas, as oitivas que começaram pela manhã e seguirão à tarde irradiam outros indicativos. Pela primeira vez na história da redemocratização brasileira, autoridades civis ouvem tantos militares ao mesmo tempo, por si só uma demonstração de independência da Polícia Federal, de que nenhuma categoria está acima da lei e de que, em uma democracia, não existe poder moderador.
Segundo, a convocação dos militares deve satisfazer a oposição mais ruidosa, que espalha em redes sociais, sem provas, a narrativa de que a invasão foi facilitada pelo governo, em uma lógica inversa, supostamente para provocar, propositalmente, o caos e culpar bolsonaristas. Entre os ouvidos pelos agentes nesta quarta-feira estão dois generais, Gustavo Henrique Menezes Dutra, ex-chefe do Comando Militar do Planalto, e Carlos Feitosa Rodrigues, ex-número 2 do GSI. O general Dutra foi quem negociou junto ao então interventor Ricardo Cappelli o veto à ação da PM do Distrito Federal no acampamento em frente ao QG, o momento mais tenso daquela noite, na opinião deste colunista, que testemunhou na ocasião tropas das duas corporações prestes a se enfrentarem.
Terceiro, os depoimentos têm como efeito colateral contribuir para desmilitarizar as instituições civis. Demarcam limites. Apesar das aproximações e tentativas de apaziguamento do atual governo, mediadas pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e das promessas de investimento nas Forças pelo presidente Lula, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.