No atual espírito do tempo da República, é fundamental separar as coisas.
Primeiro, Lula dizer, na terça-feira (21) que só pensava em "foder com o Moro", enquanto estava na prisão, é uma agressão verbal, uma grosseria, que não condiz com o tamanho da cadeira de um chefe de Estado. Às vésperas de completar cem dias de governo, o presidente ainda não se deu conta de que não representa apenas os 60 milhões de eleitores que o elegeram - entre os quais, pelo que se vê nas redes sociais, alguns que aplaudem sua verborragia. Lula é, hoje, o presidente de 213 milhões de brasileiros.
Dito isso, vamos à segunda questão: o plano de uma facção que tinha como alvo, entre outras autoridades, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, hoje senador pelo União Brasil, demonstra uma afronta do crime organizado ao Estado brasileiro. À frente da pasta, Moro transferiu integrantes do PCC para penitenciárias federais, e a ação seria um ato de vingança.
O que há em comum entre os dois episódios acima? Nada, a não ser o intervalo de menos de 24 horas entre a horrorosa frase de Lula, que não contribui para a pacificação do país, e a operação da PF, que desbaratou o plano contra Moro, prendendo nove pessoas.
O que não tardaria seria a oposição começar a estabelecer links esdrúxulos entre a fala de Lula e o plano do PCC. Um dos primeiros a fazer essa associação foi ex-presidente Jair Bolsonaro que, ao prestar solidariedade a seu ex-ministro, relembrou o assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel, a facada de que foi vítima, e a situação do senador: "Em 2002, Celso Daniel, em 2018, Jair Bolsonaro e agora Sergio Moro. Tudo não pode ser só coincidência. O Poder absoluto a qualquer preço sempre foi o objetivo da esquerda", escreveu em redes sociais.
O ex-presidente também tentou usar o episódio para pressionar pela Comissão Parlamentar Mista de Investigação (CPMI), no Congresso, para investigar os atos do dia 8 de janeiro, a nova obsessão de bolsonaristas: "A CPMI assombra os inimigos da democracia", concluiu.
Perceba que, nessa narrativa, além de Celso Daniel, da facada que Bolsonaro sofreu, e do plano contra Moro, agora, estão no mesmo balaio os ataques aos Planalto, Congresso e Supremo.
Não demorou também para que outros membros da oposição também politizassem a situação. Coube ao deputado federal Filipe Barros (PL-PR) acrescentar um link a mais na história rocambolesca, ao dizer que a fala de Lula, na terça, fora "a autorização que o PCC precisava para executar o plano", afirmou, ignorando que plano não foi feito do dia para a noite. Envolvia, inclusive, o monitoramento de locais onde a família do ex-juiz da Lava-Jato vive, no Paraná.
Mistura-se personagens e histórias e retira-se o contexto cada um dos episódios com o mesmo objetivo: confundir a opinião pública.
Tudo típico do personalismo da política brasileira. Tudo típico desse mundo de desinformação atual. Tudo típico da corte de Brasília e suas claques.