Grandes acontecimentos são reconhecidos como tais não necessariamente devido ao impacto que tiveram em seu momento histórico ou por sua capacidade de mudar o mundo. Muitas vezes, sua reputação deve-se à maneira como foram contados. À luz dos anos, as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki foram usadas sobre populações inocentes quando o Eixo já estava praticamente derrotado. A sabedoria do tempo também permite conhecer o quão inglória foi a aventura americana em 10 anos no Vietnã.
Hoje, passados 20 anos da invasão do Iraque pelo governo George W. Bush, também não é difícil recontar, quase de cabeça, a farsa por trás daquela guerra: em março de 2003, os Estados Unidos invadiram o país do Golfo Pérsico sob o argumento de que o ditador Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa. O país foi ocupado, destruído. Saddam foi deposto, julgado e morto na forca. E as tais armas de destruição em massa, essas nunca foram encontradas.
Alguns dos artífices da invasão, como o então secretário de Estado Colin Powell, veterano do Golfo, de 1991, admitiram que a América fora à guerra que custou mais de US$ 1,9 trilhões e as vidas de 275 mil pessoas por um argumento falacioso. Sim, hoje é fácil julgar. Mas, à época, poucos ousavam erguer a voz contra a decisão do governo Bush. Para o republicano e os neoconservadores de seu gabinete, a deposição de Saddam era ato contínuo da reação aos ataques terroristas a Nova York e Washington em 11 de setembro de 2001.
Uma dessas vozes solitárias a se opor à ambição belicista da Casa Branca falava português com sotaque carioca, embora nascido em Rondônia. José Maurício de Figueiredo Bustani, então diretor-geral da Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq), com sede em Haia, tentou, lastreado pela investigação in loco dos fatos, demonstrar que o Iraque, embora uma ditadura sanguinária, que desrespeitava direitos humanos e violentava sua própria população, não possuía armas químicas.
Mais do que voz vencida, o diplomata brasileiro foi pressionado a se calar. Como não o fez, foi afastado da direção da organização, sob o olhar omisso do governo brasileiro. O resto, a história se encarregou de contar: o Iraque foi invadido, Saddam foi enforcado, milhares de pessoas morreram, e, das disputas internas a partir do vácuo político, surgiu um grupo terrorista ainda mais cruel do que a rede Al-Qaeda, que praticara o 11 de Setembro _ o Estado Islâmico. Até hoje, o Iraque não tem paz.
Mas a voz de Bustani ficaria apenas em recortes de jornais de 2002, de entrevistas na TV e no rádio, como aquelas derrotas amargas que a gente nunca esquece, não fosse a amizade com o cineasta José Joffily, que dirigiu longas como "Quem Matou Pixote? (1996), Olhos Azuis (2009) e o documentário Soldado Estrangeiro (2019). A história que ouvia do amigo e vizinho de Copacabana sobre a pressão que sofrera no cargo da Opaq tinha requintes tão absurdos que o diretor resolveu transformar em filme, Sinfonia de um Homem Comum (2023), produzido pela Coevos Filmes em coprodução com Glogo Filmes, GloboNews e Canal Brasil, exibido recentemente nos cinemas.
- Conhecia Bustani de longa data. Ele esteve aqui em casa em 2002, e me contou essa história. A narrativa dele pra mim era meio absurda. Era uma narrativa pouco crível, achava que aquela narrativa era conduzida um pouco pela mágoa de ter sido defenestrado. Toda aquela história me pareceu quase fantasia. Durante uma hora e meia ele ficou falando, eu olhava e pensava: "Meu Deus do céu". Quando ele foi embora, fiquei matutando _ lembra Joffily.
O motivo da descrença de Joffily eram as cenas rocambolescas que Bustani havia vivenciado à frente da organização. Antes de a guerra estourar, em reuniões com representantes internacionais, o diplomata estranhava que os americanos demonstravam conhecer suas ideias em detalhes, quase conseguiam antever suas palavras. Certo dia, desconfiou que suas reuniões estavam sendo espionadas. Chamou um auxiliar, que destruiu a parede de seu gabinete, em plena Haia. O interior da divisória, atrás de sua mesa, estava crivado de aparelhos de escuta ilegal.
Ao longo do tempo, segundo Joffily, foi se comprovando que tudo o que Bustani dizia era verdade. A invasão, a ausência de armas químicas e uma história que colocava em xeque a seriedade e eficiência de organizações internacionais, como a Opaq e as Nações Unidas, criadas justamente para evitar que o mundo vivesse novas guerras.
A pressão americana sobre Bustani, que insistia que não havia o tão comentado arsenal proibido nas mãos de Saddam Hussein, visava justificar, para opinião pública internacional, que o Iraque era um Estado terrorista. Nesse afã, as inspeções dos especialistas em armas iam na contramão. A certa altura, o então subsecretário de Estado americano para controle de armas e segurança internacional dos EUA, John Bolton, entrou em sua sala e afirmou:
- Vim aqui com instruções do vice-presidente dos EUA, Dick Cheney, para lhe informar que você tem 24 horas para pedir demissão e ir embora.
Mais do que isso: alertou o brasileiro de que os serviços de inteligência sabiam onde seus filhos moravam. Bustani resistiu, deu várias entrevistas a veículos internacionais. Sem conseguir que ele renunciasse, os Estados Unidos usaram seu poder de agenda para garantir votos dentro da organização que garantissem seu afastamento.
Mais do que explicar e contextualizar a história da guerra que poderia ter sido evitada pela ação conjunta da chamada comunidade internacional, um dos méritos do documentário de Joffily é trazer para o espectador a opinião de personagens daquele momento, como o então presidente Fernando Henrique Cardoso, o chanceler Celso Lafer, o porta-voz do governo Bush, Richard Boucher, e o inspetor de armas da UNSCOM, Scott Ritter. O cineasta confronta os depoimentos com o ponto de vista de Bustani, que é capaz de desmentir o interlocutor na sala de estar de sua casa, assistindo aos vídeos gravados.
Há uma grande mágoa por parte do ex-embaixador em relação à falta de apoio do governo brasileiro. A Opaq é uma organização internacional, que acabou ganhando Prêmio Nobel da Paz em 2013. Ou seja, o brasileiro não estava subordinado à diplomacia brasileira, mas seu nome havia sido apoiado pelo governo. À época, Bustani conta ter ido a Brasília para explicar a Fernando Henrique Cardoso que, em suas mãos, estava uma oportunidade de evitar a guerra. No documentário, o então presidente se resigna, diante da hegemonia americana e sua capacidade de ditar a agenda internacional.
A história poderia ter acabado aqui. Com líderes internacionais resignados com sua incapacidade diante das potências que administram o jogo de xadrez global e as instituições do chamado sistema multilateral _ nome pomposo para as relações internacionais mediadas por organismos como a ONU e a Opaq. Mas o que torna o filme de Joffily e a versão de Bustani atuais é que a história pode estar se repetindo _ não como comédia, mas como tragédia.
Em 2019, diante do ato horrendo do ataque das forças do ditador Bashar al-Assad à oposição em Duma, na Síria, os EUA de Donald Trump apressaram-se em acusar o governante tirano de ter usado armas químicas. No entanto, inspetores internacionais da Opaq teriam concluído, no terreno, que, apesar do horror, esse tipo de armamento não fora usado. Mais uma vez, na visão de Bustani, a organização fora manipulada para servir aos interesses de Washington. O documentário traz, inclusive, uma entrevista com um dos especialistas da Opaq que nega a versão oficial.
- A gente encontrou no Brasil um inspetor de armas químicas, que veio ao Brasil procurar Bustani, que tinha tido o relatório dele falsificado pela Opac. Veio clandestinamente, não podia dizer quem era. Não aparece o rosto dele no filme. Ele faz parte desse grupo de inspetores que foi até Duma. Primeiro, não eram armas químicas. Depois, elas tinham sido colocadas na área por pessoas interessadas em culpar Bashar al-Assad. Certamente ele é um ditador cruel, mas não era o caso ali (de armas químicas). Uma coisa não justifica outra _ pontua Joffily.
No longa, que exige concentração e algum conhecimento da história do mundo nesses 20 anos, o pano de fundo é a incapacidade dos organismos criados para evitar a guerra de agir justamente para que ela não ocorra. Além de mostrar como a verdade pode ser manipulada para servir a interesses de grandes potências, antes da expressão fake news e narrativas se tornarem populares, o filme Sinfonia de um Homem Comum tem o mérito de expor a hipocrisia da chamada comunidade internacional que tanto fala de paz, mas pouco se empenha em evitar a guerra.
"Foi uma enorme traição do governo brasileiro"
Apesar de ter revivido com lamento o episódio de sua saída da Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq), durante as gravações do documentário que conta sua história, Sinfonia de um Homem Comum, o diplomata aposentado José Maurício Bustani acredita que a obra cumpre o papel de restabelecer a verdade sobre os motivos que levaram os Estados Unidos a invadir o Iraque, em 2003. Além disso, na opinião de Bustani o filme serve como alerta sobre a necessidade de reforma dos organismos internacionais, como as Nações Unidas, que estariam à mercê de interesses das grandes potências, os cinco integrantes permanentes do Conselho de Segurança (EUA, Reino Unido, França, China e Rússia). O diplomata prevê também que a história pode se repetir na Síria e no Irã, países alvo de sanções ocidentais. Depois de sair da Opac, Bustani tornou-se embaixador do Brasil no Reino Unido, em 2003, e, em 2008, passou a chefiar a representação diplomática brasileira em Paris. A seguir, trechos da entrevista concedida a ZH.
Que avaliação o senhor faz do filme ao ver sua história retratada?
Gostei muito, acho que foi uma síntese muito bem feita. É óbvio que havia um enorme material gravado, mas você não pode colocar tudo no filme. Em linhas gerais, achei que o José Joffily fez um belíssimo trabalho.
Após a sua saída da Opaq, estoura a guerra, mas as armas de destruição em massa nunca foram encontradas no Iraque. O que passava pela sua cabeça àquele momento, inclusive com os americanos admitindo que Saddam Hussein não tinha esse arsenal, algo que o senhor dizia muito antes?
Naquele momento (da invasão americana ao Iraque), The New York Times me entrevistou. Isso foi logo, um ano depois (de seu afastamento). Saí em abril de 2002, e a guerra estoura em março de 2003. Eu tinha acabado de chegar a Londres, como embaixador. Fiquei um ano sem emprego depois que saí da Opaq, o governo da época me deixou na rua, desempregado. Quando Lula foi eleito, ele não me conhecia, mas havia acompanhado o assunto, me chamou e me ofereceu a embaixada de Londres. Obviamente, aceitei. Eu estava lá naquele momento (da guerra). A imprensa britânica e o The New York Times me procuraram. Eu sempre disse: era uma pena que houvesse acontecido. Estava havendo uma guerra que teria consequências inéditas. A partir dessa guerra, o país desmoronou. Foi criado o Estado Islâmico, a partir da briga interna no Iraque, que continua até hoje, com impactos no comércio internacional, até no Brasil. O mundo inteiro sofreu com essa guerra. Ela completa 20 anos em março e até hoje o impacto é sentido nas relações internacionais.
Naquela época, o senhor denunciou a história da escuta ilegal implantada no seu gabinete?
Ninguém ouviu. Naquele momento, a imprensa não deu cobertura. O tempo passou, eu voltei para minha carreira, o governo era diferente (no Brasil) e fui extremamente feliz na embaixada em Londres, depois em Paris, onde me ocupei de toda a cooperação em área de defesa. Os submarinos que estamos construindo em parceria com a França fui eu que negociei. O supercomputador que temos em Petrópolis (RJ), fui eu que negociei. Os aviões de caça (adquiridos pela Força Aérea Brasileira), eu havia tinha negociado os Raffale. Houve um problema já na administração Dilma Rousseff, e decidiram comprar o avião sueco (Gripen), e não o francês.
À época, houve uma intimidação explícita a seus filhos, caso não saísse da organização. O senhor sentiu medo?
Eu estava preparado porque o nível de agressividade era tão grande na hora em que comuniquei aos americanos que o Iraque iria assinar a convenção (contra armas químicas), e que, portanto, dentro de 30 dias, eu começaria a inspecionar o país. Se eu começasse a inspecionar, ia ficar provado que não tinha nada. Eles enlouqueceram naquele momento, começaram a fazer uma campanha para interromper o processo, convocaram o conselho executivo da organização para me derrubar. Não me derrubaram, perderam. Aí convocaram uma conferência, que é ilegal, porque a convenção não prevê isso. Era para me derrubar. Foi o que aconteceu. Conseguiram, compraram países com pressão política e, mesmo com dinheiro. Governos das ilhas do Pacífico foram lá votar contra mim porque foram pagos.
A certa altura, um dos representantes desses governos bate na porta e pergunta onde deveria votar para retirá-lo.
Foi uma comédia. Naquele momento, obviamente, os americanos mobilizaram todo grupo ocidental, exceto a França, que se absteve. Os asiáticos e africanos, que estavam comigo, sempre estiveram durante os cinco anos, perguntavam: "E o Brasil, e a América Latina?" Eu não conseguia obter uma resposta de Brasília. Brasília se omitiu, não fez nenhuma gestão na América Latina. E o que aconteceu? Os latino-americanos se abstiveram, aí os africanos e asiáticos também se abstiveram. Ficou parecendo que o Brasil tinha alguma restrição a respeito do meu desempenho. Foi uma enorme traição do governo brasileiro naquele momento. Apenas por uma visão equivocada do presidente (à época, Fernando Henrique Cardoso) de dizer que "poder é poder, e a gente tem de fazer o que eles mandam". É uma pena. Eu vim até aqui (Brasília) falar com o presidente Fernando Henrique, expliquei a situação. Eu disse: "Está nas minhas mãos, está nas nossas mãos, você poder evitar que haja uma guerra". Perdemos uma chance de ter contribuído para evitar a guerra no Iraque. Simplesmente por falta de apoio.
Ao assistir ao filme, o senhor teve a sensação de verdade restabelecida, de justiça?
De certa maneira, sim. Quando o José Joffily resolveu fazer o filme já havia passado tanto tempo, que foi um pouco penoso ter de rever aquilo tudo. Até me emociono quando leio meu discurso de despedida. Já tinha deixado aquilo um pouco para trás, porque era uma batalha que já tinha perdido. A frustração continuava, mas a batalha já estava perdida. A coisa veio à tona de novo, e o assunto agora, é renovado com a questão da Síria, um tema que ainda não atingiu dimensões internacionais, porque, hoje em dia, a mídia corporativa está completamente diferente daquela época. Nem os jornais mais abertos, como The Guardian, de Londres, estão mais escrevendo (sobre a Síria). Estão todos usando a mesma linguagem. Você lê The New York Times, The Washington Post, Financial Times, The Guardian, todos dizem a mesma coisa. Não existe mais uma mídia independente. E, aqui, no Brasil, a mídia copia a imprensa estrangeira.
Por que, naquele momento de intensa pressão, o senhor não recebeu o apoio da ONU ou do secretário-geral à época, Kofi Annan?
Porque a minha organização não era subordinada à ONU. A Opaq é associada à ONU. Mas eu tinha o mesmo nível que o secretário-geral. Não tinha como ele interferir. E, na verdade, o poder dos americanos no âmbito das Nações Unidas era praticamente o mesmo em relação à Opaq e em relação a todas as outras organizações internacionais. É um dos problemas que se enfrenta até hoje, até este exato momento. Está acontecendo de novo um novo problema com a Opaq, desta vez, em relação à Síria. Esse é o problema. Você tem de usar o multilateralismo, mas tentar mudá-lo por dentro. É importante quando o presidente Lula diz que não se pode sucumbir à hegemonia das maiores potências, sobretudo dos Estados Unidos, nas organizações internacionais. Caso contrário, elas perdem a razão de ser. Precisamos que as questões globais sejam resolvidas em nível multilateral, só que você tem de trabalhar para que não haja a predominância a partir do dinheiro de países contribuintes, como os EUA e o Japão, por exemplo. A ponto de que eles consigam manipular os trabalhos da organização. Agora, depois de quatro anos sombrios (do governo Jair Bolsonaro), vamos voltar a trabalhar nesse campo. Mas com nova dimensão, de criar massa crítica: ou juntando os latino-americanos, ou os Brics, ou, o que acho mais interessante, o G20. Começaremos a trabalhar para que as organizações multilaterais se reformem a si mesmas. O Conselho de Segurança da ONU tem de ser reformado. Não se consegue resolver a Guerra na Ucrânia. Não adiantam as sanções. Você tem de sentar e negociar. Também não adiantam bloqueios, porque também não se conversa através de bloqueios.
O senhor se tornou descrente em relação ao sistema multilateral, depois de tudo o que sofreu?
Não fiquei descrente porque acho que não há outra saída (a não ser por meio de organizações internacionais) para se resolver os problemas mundiais. Só que, nesse período todo, não houve evolução. Chamei atenção naquela época: era necessário que se revisse a maneira como o sistema multilateral funciona. Hoje, estamos com problemas em relação à Síria. Um grupo de peritos, subsecretários-gerais da ONU, eu, professores do MIT (Massachusetts Institue of Technology), jornalistas, acadêmicos, inteframos o chamado Grupo de Berlim. Sou o chefe desse grupo, porque em 2018, quando houve o incidente, teoricamente, de armas químicas em Duma (Síria), os inspetores que foram lá (verificar o uso desse arsenal) eram ainda da minha época. Eram os mais competentes que tínhamos. Eles viram aquilo (o ataque cometido pelo governo sírio), fizeram o relatório e a conclusão era de que não havia sido usada arma química. Submeteram o relatório ao diretor da Opaq, o de hoje ainda, o Fernando Arias, e não aconteceu nada. Ele não publicou o documento. Vieram alguns americanos, escreveram outro relatório e esse é que foi apresentado como documento oficial da Opaq, ignorando o relatório dos peritos. E dando o resultado contrário (de que o governo sírio utilizou armas químicas no ataque a Duma).
A história está se repetindo?
Os inspetores ficaram alucinados, porque era os nomes deles que estava em jogo. São pessoas extremamente competentes. Um deles veio ao Brasil, me trouxe toda a documentação, me mostrou tudo. Ficou óbvio, para mim, que aquilo era um absurdo. O pedido deles é que o Fernando Árias os recebesse para que pudessem ponderar que o que tinha sido publicano não era a verdade. Até hoje, desde 2018, não conseguem. Nesse processo, eles foram afastados.
Os próprios inspetores não são recebidos pelo diretor?
Não são. Já fizemos vários esforços. O assunto já foi levado ao Conselho de Segurança da ONU em 2021. Eu havia preparado um discurso. Mas, na hora, os americanos não deixaram eu falar. Naquele momento, o Conselho de Segurança era presidido pela Rússia, e me deram a palavra. Eu não podia estar lá (em Nova York) pessoalmente por causa da pandemia. Resultado: o presidente do Conselho de Segurança na época leu o meu discurso. Mas não é a mesma coisa. Nesse ínterim, a Opaq se sentiu ameaçada com a verdade, e acabou soltando um novo relatório, confirmando aquele resultado falso. Estamos agora com o nosso relatório final pronto, e vai ser lançado em breve. É a última tentativa, para ver se a Opaq e o próprio Conselho de Segurança fazem alguma coisa. A Síria já era membro da organização desde 2013 da Opaq, e está sendo penalizada e será mais, inutilmente, porque as armas químicas não estão lá. Nunca teve armas químicas na Síria. O que a Síria tinha era o que a gente chama de precursores, alguns agentes químicos que, misturados, criariam uma arma química, mas não necessariamente a arma química propriamente dita. Eles (os americanos) continuam manipulando a organização, todo mundo sucumbe a isso e ninguém contesta. Nem o Brasil contestou nesse tempo todo, espero que agora o faça. E, assim, acabam desmoralizando a organização. E, com ela, várias outras organizações internacionais.
A história pode se repetir também com o Irã? Acusar o país de ter armas nucleares como justificativa para uma guerra?
Claro que pode se repetir, mas o Irã não tem mais armas químicas, inclusive fiscalizei a destruição do que eles tinham. Fui até o local no deserto onde tudo estava destruído. Ninguém mais pode criticar o Irã porque o país foi superfiscalizado. Mas o Irã tem uma indústria de energia nuclear para fins pacíficos, que pode, obviamente, com a tecnologias que têm, ser convertida para ser criada uma arma atômica.