Tanto o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva quanto seu adversário, Jair Bolsonaro, sabiam, durante a campanha, que, para cumprir a promessa de manter o Auxílio Brasil (que será rebatizado como Bolsa Família) em R$ 600 seria necessário, tão logo passasse o segundo turno, um jeitinho no orçamento.
No caso do atual presidente, inclusive, há o agravante de que, enquanto prometia nas ruas e nos debates manter o benefício social, seu governo enviou uma proposta de orçamento para 2023 que previa apenas um valor médio de R$ 405, 21 para beneficiários, além de cortes duros nas verbas de habitação e no programa Farmácia Popular. Passada a eleição, Bolsonaro silencia em seu bunker no Alvorada.
Já Lula experimenta a desconfiança do mercado em sua primeira passagem por Brasília, na semana passada, quando as cotações dos principais mercados de ativos derreteram em reação ao discurso em que indicava prioridade com gastos sociais e relativizava regras de controle fiscais. Nesta quinta-feira (17), ele voltou, dessa vez no Egito, a repetir o erro de se julgar acima do bem e do mal, ao defender furar o teto de gastos como uma "responsabilidade social". E desdenhar:
- Se eu falar isso vai cair a Bolsa, vai aumentar o dólar? Paciência.
Não seria difícil prever: no início da tarde, o Ibovespa caía 2,07%, e o dólar comercial subia 1,33%.
O presidente eleito ainda não desceu do palanque. Até porque, nos acarpetados salões do balneário de Sharm el-Sheikh, só colhe elogios: "Exuberante", taxou, por exemplo, The New York Times na edição de quarta-feira, após as promessas de reposicionar o Brasil como player global e gigante ambiental. Na primeira ocasião em que provavelmente seria questionado sobre os passos da transição, Lula cancelou a entrevista coletiva que estava prevista na COP27, com jornalistas do mundo inteiro fazendo fila. O motivo alegado pela assessoria foi atraso na agenda. Mas o fato é que evitou, assim, perguntas inconvenientes sobre os gastos extras que pularam dos anunciados R$ 175 bilhões para R$ 198 bilhões.
No nível doméstico, aqui em Brasília, a PEC - e principalmente seu prazo alongado - provoca fissuras. É visível o mau estar do grupo de economistas composto por André Lara Resende, Guilherme Mello, Nelson Barbosa e Pérsio Arida, escanteados do debate e com acesso tardio ao texto da minuta apresentada ao Congresso.
Lula só será confrontado com o custo político da PEC da transição e as esperadas contrapartidas quando voltar ao Brasil, na semana que vem. O choque de realidade virá depois da escala em Portugal.