Em sua estreia no cenário internacional, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva buscou equilibrar-se entre as rusgas de Estados Unidos e China, os dois gigantes do sistema internacional, e as fraturas domésticas, entre ambientalistas e produtores rurais.
Ao discursar na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), que ocorre em Sharm el-Sheik, no Egito, ele anunciou o reposicionamento do Brasil como protagonista do sistema internacional, em uma fala muito semelhante à adotada no primeiro pronunciamento de Joe Biden logo após a posse nos Estados Unidos, após anos de isolamento da doutrina Donald Trump.
Aliás, ao dizer que o Brasil está "pronto para se juntar novamente aos esforços para a construção de um planeta mais saudável", Lula agradou ao governo americano, cuja agenda ambiental é prioridade. O discurso foi modulado a partir dos encontros da terça-feira (15) no balneário egípcio, com o enviado de Biden para o Clima, John Kerry, e o emissário de Xi Jinping, Xie Zhenhua.
A exemplo de Biden, que escolheu um nome de peso para lidar com o tema - Kerry foi senador, candidato à presidência e é respeitado em fóruns internacionais -, Lula prometeu "o mais alto perfil na estrutura contra as mudanças climáticas". Ainda que tenha frustrado os que esperavam o anúncio do futuro ministro ou ministra do Meio Ambiente durante a COP27, três dos cotados estavam a seu lado: as ex-ministras Marina Silva e Izabella Teixeira e o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Como parte do equilíbrio que pautou sua fala, Lula vestiu a roupa de porta-voz das nações mais pobres, ao dizer que "é necessário tornar disponíveis recursos para que países em desenvolvimento possam enfrentar as consequências de um problema criado em grande medida pelos países mais ricos". O presidente eleito sabe que o fato de a COP ocorrer no continente mais miserável do planeta torna a o tema prioridade. Os efeitos das mudanças climáticas, como furacões, desertificações e inundações, atingem de maneira desproporcional os mais pobres.
Em aceno à China, Lula prometeu "relações multilaterais" - há uma reivindicação por parte de Pequim de uma abordagem menos unilateral (de Washington) e mais próxima dos arranjos internacionais, por meio de organismos como as Nações Unidas.
Ao se referir aos temas domésticos, o presidente eleito afirmou que "não existem dois brasis nem duas amazônias", o que soa, no mínimo, irônico uma vez que a própria presença brasileira na COP é sintoma da divisão política brasileira: pela primeira vez, o país é representado por três estandes, o do governo federal, da Amazônia Legal e da sociedade civil.
Ao mencionar o objetivo de desmatamento zero e um agro sustentável, Lula mais uma vez tentou equilibrar-se entre as demandas de ambientalistas e a importância do agronegócio brasileiro, em especial em um momento de crise alimentar e energética.
- A produção agrícola sem equilíbrio ambiental deve ser considerada uma ação do passado - afirmou.
Se na semana passada faltou a Lula equilibrar responsabilidade fiscal e social, no Egito, ele tentou, ao menos, não apresentar aumento de renda para produtores e proteção da biodiversidade como interesses divergentes.