Ao final de uma semana de reuniões do congresso do segundo maior partido político do mundo, o Partido Comunista Chinês (PCC), veio a público nada diferente do esperado: os 2,3 mil delegados, representando 100 milhões de membros da legenda, entronaram Xi Jinping como líder máximo, para um inédito terceiro mandato, da segunda economia do planeta. O que isso significa é uma pergunta que costuma ser dificultada pela opacidade do regime comunista de Pequim, uma ditadura que, como de qualquer matiz, de esquerda ou direita, esconde objetivos.
Ainda assim, há sinais. Xi está, agora, no mesmo panteão da história de Mao Tsé-tung e Deng Xiaoping, os dois maiores líderes da China contemporânea. Mas, entre os três integrantes desse "núcleo", ele destaca-se como aquele que está mais próximo de atingir a consagração do Império do Meio como superpotência.
A partir da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos e União Soviética emergiram como os grandes vencedores, capazes de organizar os rumos da ordem global a sua imagem e semelhança. Com o fim da Guerra Fria, em 1991, restou apenas a versão americana — e seu poder de agenda em um mundo unipolar. Ser hegemon significa ditar as regras do jogo, algo que a China ainda não consegue completamente, mas está perto de fazê-lo.
A doutrina Xi baseia-se em dois pilares: interesses nacionais e segurança. Daí, pode-se depreender, internamente, alguns cenários: a personificação do poder na figura do presidente, o aumento da censura e da repressão aos movimentos de oposição ou separatismo, e o incremento do controle estatal sobre a economia. No campo externo, o que veremos será o torniquete apertando sobre Taiwan, considerada por Pequim uma província rebelde, e a asfixia de qualquer liberdade em Xijiang e Hong Kong. As palavras de Xi durante o congresso são muito reveladoras dos próximos passos: "anexação pacífica, mas sem renunciar ao uso da força". Para bom entendedor, meia palavra basta: ou Taiwan será chinesa por bem ou por mal — ainda que, nesse cálculo, não esteja engendrada a variável "reação do Ocidente".
É difícil, por aqui, no Ocidente, modular o comportamento chinês. Em parte, por nossa ignorância com os temas orientais, em parte, pela névoa da ditadura comunista. O que sabemos sobre a origem do coronavírus ou o quanto conhecemos da posição chinesa sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia? Pequim tem poder sobre Vladimir Putin, é capaz de pará-lo. Por que não o faz?
Por outro lado, algumas coisas são claras: a China se coloca como defensora de um mundo multipolar, que questiona a hegemonia americana e a ordem liberal internacional pós-Guerra Fria. Ao mesmo tempo, pelas palavras de Xi, entende que sua economia está atrelada ao Ocidente.
— A China não pode se desenvolver isolada do mundo, e o mundo também precisa da China para se desenvolver — disse.
Há muito tempo a China mudou seu posicionamento diplomático, antes discreto e restrito ao comércio exterior e às relações econômicas com outros países. Como se viu na pandemia — ainda que tenha muito a explicar sobre as origens do coronavírus —, adotou uma postura assertiva ou do "bateu-levou". Políticos que atacaram o regime receberam pronta resposta. Também se viu o flexionar de músculos no campo militar, com exibições de seu arsenal em paradas ou no Estreito de Taiwan.
Está claro que a China fará de computação quântica, inteligência artificial e espaço os fronts nessa disputa com o Ocidente. Os três campos englobam o que, nos estudos estratégicos, chama-se "dual use" (duplo uso). Ou seja, a capacidade de serem utilizados tanto para fins pacíficos quanto militares. Está claro que Xi reconstituiu o império. O que ninguém sabe é se o mundo cairá na armadilha de Tucídides, a tendência inexorável à guerra quando uma potência emergente ameaça substituir uma grande potência já consolidada como hegemônica no sistema internacional.