Quando a guerra completou seis meses, em agosto, a Ucrânia anunciou que faria uma grande operação para retomada de regiões do sul do país. Trata-se de uma área fundamental do ponto de vista político, econômico e estratégico - é ali que estão cidades devastadas como Mariupol e Kherson, que formam uma ponte terrestre que liga a Rússia e as áreas ocupadas do Donbass com a península da Crimeia, anexada em 2014. É ali também que ficam os principais portos ucranianos, no Mar Negro, como Odessa.
Como qualquer estrategista sabe, era preciso acelerar a marcha. A história ensina que, de Napoleão a Hitler, o general inverno sempre atuou a favor dos russos.
Diante do anúncio da ofensiva, não se pode dizer que o governo de Vladimir Putin foi surpreendido - se a população russa não sabe o que ocorre no campo de batalha, por censura do Kremlin, seus generais têm obrigação de saber. Como então a Ucrânia enganou a Rússia?
Simples: concentrou os ataques iniciais em Kherson, como anunciado, no sul do país, atraindo grande esforço russo para resistir e manter a cidade ocupada. Enquanto isso, quando todas as atenções estavam ali, as tropas ucranianas abriram uma nova frente, essa sim, de surpresa, em Kharkiv, a segunda maior cidade do país, no Leste.
As cenas em redes sociais são aquelas típicas - e emocionantes - de fim de batalha: população oprimida celebrando a fuga do exército opressor. Oficialmente, a Ucrânia diz que foram recuperados 3 mil quilômetros quadrados, mas algumas estimativas sugerem 8 mil quilômetros quadrados, mais do que a Rússia conquistou em meses.
Nessa área, as forças armadas russas estavam menos guarnecidas - e o que se viu foram soldados abandonando equipamentos às pressas, o que sugere caos de comando e controle. É conhecido, desde o fracasso na tomada de Kiev, nos primeiros dias de guerra, a desorganização logística russa, que provoca problemas fundamentais na linha de suprimentos para as tropas no front. Ao lado da resistência acima do esperado por parte da Ucrânia, isso levou ao recuo das forças de Putin, em abril.
Como escrevi, é cedo para se pensar em uma virada. Mas ela pode ter começado Kharkiv. E a Ucrânia só resistirá enquanto continuar recebendo apoio militar do Ocidente. No caso da ofensiva atual, foi fundamental o fornecimento de sistemas de foguetes Himars (High Mobility Artillery Rocket System) e mísseis AGM-88 Harm pelos americanos. Na avaliação de especialistas, os primeiros permitiram aos ucranianos atingir depósitos de munição e posições russas. Os segundos garantiram atingir radares russos, permitindo à força aérea ucraniana e principalmente aos drones maior acesso em apoio à infantaria.
A dúvida é como será, agora, a reação russa, que enfrenta um dilema: deslocar tropas do sul da Ucrânia para a região de Kharkiv, desguarnecendo posições ou enviar mais soldados a partir de seu território. O esforço de guerra já vem sendo questionado internamente.
Putin tem na manga, claro, arsenal nuclear, cujo uso elevaria a guerra a um nível impossível de se fazer qualquer previsão. Por enquanto, tudo indica que jogará com sua outra arma: a questão do gás. O Kremlin deve reduzir ao máximo o envio do produto para os europeus, praticamente zerando o suprimento, a fim de fazer com que o Ocidente suspenda o apoio à Ucrânia. Principalmente neste momento em que o inverno se aproxima.