Os Estados Unidos parecem não entender que o mundo já tem problemas demais: a guerra na Ucrânia, inflação recorde em vários países, crise energética e risco de catástrofe alimentar. A visita da presidente da Câmara americana, Nancy Pelosi, a Taiwan, nesta terça-feira (2), entra para o hall das provocações desnecessárias em que um erro de cálculo pode mergulhar as duas maiores economias do mundo em um confronto.
Pelosi voou em um avião militar dos EUA para o Aeroporto Songshan de Taipei, sendo recebida na chegada pelo ministro das Relações Exteriores de Taiwan, Joseph Wu. Uma declaração da equipe da líder democrata, do mesmo partido do presidente Joe Biden e terceira figura mais importante na hierarquia política, afirmou que sua viagem "de forma alguma" contradiz a política oficial dos EUA, que respeita "uma China" e não reconhece oficialmente Taiwan como um Estado independente.
Mas, em geopolítica, imagens falam mais do que palavras. A visita de Pelosi enfureceu a China, que considera Taiwan, para onde fugiram os nacionalistas, após a derrota para o exército de Mao Tsé-tung, em 1949, uma província rebelde. Até os arranha-céus de Taipé sabem que a questão não é se a China tentará retomar o território - mas quando...
Pequim criticou a visita, considerada "extremamente perigosa" e anunciou que seu exército lançaria "ações militares seletivas" - o que isso quer dizer só ficará claro nos próximos dias.
- Os Estados Unidos constantemente distorcem, obscurecem e esvaziam a política de 'Uma só China' - disse o Ministério das Relações Exteriores de Pequim em comunicado após o avião de Pelosi aterrissar em Taiwan. - Esses movimentos, como brincar com fogo, são extremamente perigosos. Aqueles que brincam com fogo perecerão com isso.
A nota repete a expressão de Xi Jinping, na conversa com Biden, na semana passada: "quem brinca com o fogo pode se queimar". Taiwan relatou 21 incursões chinesas em sua Zona de Identificação de Defesa Aérea (ADIZ) em um único dia.
A ADIZ cobre uma área maior do que o espaço aéreo de um país e, no caso de Taiwan, sobrepõe-se parcialmente à da China. Traduzindo o jargão técnico: aviões chineses estiveram muito próximos da ilha, separada da China, por um estreito de mar de 160 quilômetros.
Poucas vezes se viu tamanha tensão: diversos navios de guerra dos Estados Unidos navegavam pelas águas da região de Taiwan.
A 7ª Frota informou que o porta-aviões USS Ronald Reagan, que circula pela região desde o começo de julho, estava posicionado no Mar das Filipinas. Ele fez manobras junto ao cargueiro USS Carl Brashear. No mesmo momento, um barco anfíbio dos fuzileiros navais, o USS Tripoli, navegava a leste de Taiwan. O Ronald Reagan e o Tripoli contam com caças F-35, de última geração.
Biden já deu declarações contraditórias sobre Taiwan: em maio, disse que os Estados Unidos defenderiam a ilha e, mais tarde, a Casa Branca insistiu em que estava mantendo a chamada política de "ambiguidade estratégica" - reconhece Pequim e não Taiwan, mas apoia Taiwan militarmente. Ambiguidade, como se vê na Ucrânia, não resolve impasses.
A China vê quaisquer gestos políticos em favor de Taiwan como um apoio ao ideal independentista na ilha. Em 1997, na última vez que alguém com o cargo de Pelosi esteve em Taiwan, no caso o republicano Newt Gingrich, os chineses tiveram de engolir a desfeita. À época, a China não tinha o mesmo peso econômico, político e militar da atualidade.
Uma guerra não é do interesse de ninguém: os EUA não têm capacidade de manter um segundo front, além da Ucrânia, e Biden já enfrenta uma recessão técnica a três meses das eleições e meio de mandato. Na China, Xi será reconduzido a um terceiro mandato também em novembro e está enfrentando grandes dificuldades econômicas.