Você deve ter visto as imagens: milhares de manifestantes correndo em direção às escadarias do palácio presidencial do Sri Lanka, incendiando prédios públicos e nadando na piscina da residência oficial. A violência obrigou o presidente do país, Gotabaya Rajapaksa, a fugir para as Maldivas e, nas últimas horas, para Singapura.
A renúncia de Gota, como é conhecido, não arrefeceu a revolta. A população também quer a saída do presidente interino, o primeiro-ministro Ranil Wickremesinghe, que assumiu o posto vago. Os manifestantes entendem que Ranil é continuidade de Gota.
Mas o que está havendo no Sri Lanka, país ilha do Oceano Índico, na costa da Índia, com 22 milhões de habitantes e conhecido por praias de águas cristalinas e de areia dourada, que levaram a nação a ser escolhida, em 2019, pela Lonely Planet o melhor destino para viajar?
Antiga colônia britânica, o Sri Lanka, antes chamado de Ceilão, conquistou a independência em 1948. Entre 1983 e 2009, o país viveu uma guerra civil entre o governo e o grupo conhecido como Tigres de Libertação do Tamil, de etnia tâmil, que buscava separar sua região do restante do país. Mais de 65 mil pessoas morreram.
O país foi pacificado e, nos últimos anos, conseguiu avançar no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Para se ter uma ideia, ocupa a 72ª posição - o Brasil, está em 84º.
A revolta atual é fruto de um contexto de crise econômica aprofundada pela pandemia de covid-19, que tem provocado instabilidades sociais em vários pontos do planeta. A inflação, que atingiu um recorde de 54,6% em junho e deve superar os 70% nos próximos meses, é um dos motores da crise. A crise de saúde destruiu a indústria do turismo, responsável por boa porção do Produto Interno Bruto (PIB).
O presidente Gota cortou impostos, cumprindo uma promessa de campanha, mas isso reduziu a capacidade do Estado de garantir o básico para a população. Outras decisões políticas corroboraram para o caos: Gota proibiu a importação de fertilizantes químicos como estratégia para alavancar a agricultura sustentável. Isso gerou colheitas insuficientes, que levaram a explosão nos preços dos alimentos. Sem dinheiro, o governo também enfrenta dificuldade para importar combustíveis. Nas últimas semanas, os serviços públicos não essenciais estão paralisados e as escolas, fechadas, porque não há como se deslocar de carro ou ônibus. Na capital econômica do país, Colombo, há veículos abandonados próximos aos postos de combustíveis e alguns motoristas dormem no interior à espera de gasolina.
Resultado: o país vive a maior crise econômica em 70 anos. E tem dificuldade até em pedir socorro ao Fundo Monetário Internacional (FMI), porque decretou moratória da dívida de US$ 51 bilhões.
A onda de protestos se voltou contra a figura de Gota e sua família, os Rajapaksas, uma das mais tradicionais do país. O agora ex-presidente é herdeiro de um clã político fundado nos anos 1950. Sua história se confunde com a da segunda metade do século 20 no país. O irmão mais velho de Gota, Mahinda, foi eleito presidente em 2005. Foi nesse período que as forças do governo deram o golpe final na guerrilha tâmil. Gota foi ministro da Defesa do governo do irmão, cargo que o catapultou para se candidatar à presidência e vencer o pleito, em 2019.
Nesta quinta-feira (14), os manifestantes concordaram em deixar os prédios públicos. Mais de 40 pessoas ficaram feridas nos últimos dias em confrontos com a polícia.
- Saímos pacificamente do palácio presidencial, da secretaria da presidência e do gabinete do primeiro-ministro com o efeito imediato, mas continuaremos com nossa luta - disse uma das porta-vozes.
Por certo, a paz será breve.