O trágico incidente da morte do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe é um ponto fora da curva no Japão, um dos países mais pacíficos do mundo. Episódios de violência envolvendo armas de fogo são raríssimos — no ano passado, na nação inteira, foram registrados apenas 10 tiroteios com óbitos, feridos ou danos materiais.
Até a morte de Abe, nesta sexta-feira (8), o último assassinato de uma personalidade política havia ocorrido há 62 anos. Em 1960, Inejiro Asanuma, líder do Partido Socialista, foi morto por um extremista nacionalista de 17 anos.
O país também tem punições rígidas para assassinatos em massa e crimes hediondos: é uma das poucas nações desenvolvidas que ainda aplica a pena de morte - e por enforcamento, a despeito dos protestos de organizações de direitos humanos.
Conforme o Better Life Index, índice da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 73% dos japoneses se sentem seguros em seu país. A taxa de mortes violentas por cem mil habitantes é uma das mais baixas do mundo: 0,2 — a média mundial é de 3,7.
Mesmo o problema da Yakuza, a principal organização criminosa do Japão, que se tornou famosa nos anos 1960, está sob controle. Uma legislação dura, que pune quem faz negócio com os mafiosos ou mesmo quem é extorquido por eles — tornando-se cúmplices ao não denunciarem — levou a redução da atividade dos bandidos. O grupo não está aniquilado, mas sofreu sucessivos golpes nas últimas décadas em boa parte graças à Lei Anti-Yakuza. Seu efetivo foi reduzido de 184 mil integrantes, no auge de sua atuação, em 1963, para 34,5 mil nos dias atuais.
Uma série de pontos ajudam a explicar por que um ato violento como do assassinato de Abe é exceção.
Há a educação, claro, em que os estudantes, desde pequenos, aprendem a respeitar o que é do outro, em um ambiente escolar que combina ensinamentos acadêmicos com humanidades. Há também a tradição de seguir regras, algo fundamental na cultura japonesa. E, ainda, a hipervigilância de uma sociedade supertecnológica, com uso de câmeras em quase todos os lugares e inteligência artificial para monitoramento e cruzamento de dados de possíveis criminosos.
Mas há dois pontos fundamentais. O primeiro um policiamento preventivo e comunitário. Os agentes não apenas fazem abordagens sem o uso de armas ou cumprem rondas de bicicletas muitas vezes. Mas, em alguns locais, moram dentro das comunidades, estão inseridos em suas vidas. O melhor exemplo disso são os chamados Koban, os postos de policiais (são mais de 6 mil no país) onde entre dois e três policiais moram, trabalham e se misturam com a vizinhança.
O outro ponto é o rígido controle de armas. Há testes psicológicos e de uso de drogas lícitas e ilícitas. Também é necessário passar por prova escrita e de tiro, com resultado de 95% de acertos. E a análise de antecedentes criminais não se limita apenas ao candidato. São analisados inclusive os colegas de trabalho, amigos e suas possíveis ligações com grupos extremistas.
A morte de Abe foi provocada por um atirador usando uma arma artesanal. É a famosa exceção que confirma a regra.