Organizar livros na estante é como embarcar em uma viagem ao passado, voltar ao presente, aventurar-se pelo Exterior e ingressar em nosso mundo interior. Fiz isso dias atrás, ao me dar conta que algumas obras, lado a lado, já não conversavam entre si. Viajei a 1985, quando, com sete anos, ganhei Um guri daltônico, do Carlos Urbim, e esbarrei até no primeiro álbum de figurinhas: um mapa-múndi com bandeiras dos países.
Escolho a posição de cada livro buscando uma lógica particular. Elevo os escritos por amigos a posições solenes, esses precisam ficar por perto. Nesse altar particular, de ode à cultura, também têm lugar de honra edições de capa dura. E há aqueles que posiciono estrategicamente para, de vez em quando, abrir despretensiosamente. E deles transbordarem trechos como: "(…) A morte de um único homem me diminui, porque Eu pertenço à Humanidade. Portanto, nunca procures saber por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti". Bravo, Hemingway…
Prateleiras servem como compartimentos de nossa mente. Revelam como nos reconhecemos. No meu caso, o jornalista aparece em duas delas, uma reservada aos livros de colegas como Eliane Brum, Caco Barcellos, Elio Gaspari, José Hamilton Ribeiro, Gay Talese e Truman Capote; e outra de obras acadêmicas. Reservo área especial aos clássicos de guerras (Guerra e Paz, de Tolstoi, e Os 10 dias que abalaram o mundo, de John Reed), histórias do Oriente Médio (Pobre Nação, de Robert Fisk, e De Beirute a Jerusalém, de Thomas Friedman). Em outra prateleira, ficam os que chamo de "conhecimento geral": a biografia do papa João Paulo II (Sua Santidade, de Carl Bernstein e Marco Politi); Armas, Germes e Aço: os destinos das sociedades humanas, de Jared Diamond, e o best-seller Sapiens, de Yuval Harari.
O leitor mais atento terá percebido a ausência de ficção. Estão na estante "Os versos Satânicos", "As mil e uma noites" e "Cem Anos de Solidão", mas reconheço minha dívida com o gênero. Por enquanto, tenho a ambição de conhecer mais histórias de gente de carne e osso e de viajar pela História. Para as Relações Internacionais precisei abrir novas prateleiras para calhamaços como "Paz e guerra entre as nações", de Raymond Aron, A política entre as nações, de Hans Morgenthau, e Ascensão e queda das grandes potências, de Paul Kennedy. Por via das dúvidas, mantenho por perto também a Bíblia e o Alcorão. Nas biografias, faço questão de posicionar como vizinhos Adolf Hitler e Nelson Mandela, Fidel Castro e Augusto Pinochet, Barack Obama e Donald Trump, Joe Biden e Vladimir Putin, em um arranjo muito particular - à fórceps. Afinal, na minha estante, a decisão é só minha. Nela, Tempo de Morrer está, é claro, ao lado de Tempo de Viver.