Cubro Forças Armadas há mais de 20 anos, inclusive no Exterior – estive três vezes com o Exército no Haiti, uma com a Marinha no Líbano, e até já pousei no gelo da Antártica com a Força Aérea Brasileira. Dos soldados aos oficiais, reconheço o profissionalismo do militar brasileiro.
Por isso, é com estranheza que observo cobranças das Forças Armadas ao TSE sobre o processo eleitoral. Com todo o respeito, militares, que desfrutam de merecido prestígio da sociedade, não têm de cobrar nada em termos políticos, muito menos sobre aspectos técnicos da urna eletrônica, consolidada e reconhecida internacionalmente. Primeiro, porque essa não é sua função. As Forças Armadas, como estabelece a Constituição de 1988, “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Não são poder moderador ou garantidoras da lisura de eleições, matéria de natureza essencialmente civil.
Segundo, porque a proximidade dos militares com a política mancha a imagem da instituição e trouxe, ao longo da História, prejuízos à própria caserna. Lugar de militar é no quartel, preparando-se para a guerra.
E aí reside o paradoxo brasileiro. Há 152 anos, o Brasil não se engaja em conflito armado contra outro país – o último foi a Guerra do Paraguai. Em geral, nosso país pacificou suas fronteiras com os vizinhos na base do diálogo. Acordos sobre energia nuclear anularam rixas estratégicas com a Argentina e reduziram a rivalidade atual, felizmente, ao campo do futebol. No entanto, desde o período monárquico, a formação regional de grupos sociais e políticos com grande autonomia e identidades locais colocaram o Brasil de imensas proporções territoriais sob risco da fragmentação política – nós, gaúchos, sabemos bem como a Revolução Farroupilha, entre outras guerras civis do século 19, abriu um abismo na unidade nacional. Isso explica porque, mais do que ameaças externas, as Forças Armadas brasileiras vivem sob o espectro do inimigo interno.
A ausência de ameaças regionais leva a desvios – como o emprego de militares na segurança pública ou na construção de estradas, que deterioram políticas de defesa. Não à toa, a maior parte do orçamento das Forças não é direcionada a investimento, mas a gastos de custeio e pessoal, o que, além de impedir modernização e profissionalização, abre brechas para ambições políticas. As participações em missões de paz da ONU exibem ao mundo a qualificação, versatilidade, comprometimento, responsabilidade e, acima de tudo, humanidade do soldado brasileiro, cujo lugar não é em assuntos eleitorais. O militar, como o diplomata, é defensor efetivo do Estado. Não tutor do ordenamento político interno, sobretudo nas democracias.